Surpreendente. Se tivesse que fazê-lo, assim classificaria a pequena biografia da Aracy Balabanian, escrita por Tania Carvalho para a Coleção Aplauso. Sempre fui fã de Aracy; desde muito pequena a assistia em Sai de Baixo… eterna Cassandra Matias Salão. Cheguei a ver algumas novelas também, como a Próxima Vítima, quase vibrava quando ela aparecia. Acho ela linda, diferente, bem-humorada e super elegante. Fui lendo a biografia durante a viagem que fiz para Minas Gerais, fiquei surpresa com algumas revelações e com a coragem dela de falar tão abertamente sobre assuntos polêmicos. A própria autora chama atenção para o fato de as celebridades da atualidade viverem imersas no mundo das revistas e da exposição, enquanto Aracy, por outro lado, sempre foi meio “anacrônica”, daquelas que nunca gostou de falar muito de sua vida pessoal.
O livro se chama “Nunca fui anjo”, e o título, mais do que uma referência à uma lembrança da infância de Aracy (que queria se vestir de anjo na igreja e não a deixavam porque tinha os olhos caídos) é também alusão a sua própria personalidade artística, encarada como uma mulher séria e certinha demais. Imagine, ela fala com clareza sobre os dois abortos que fez, sobre como perdeu a virgindade e sobre o fato de questionarem a sua sexualidade.
Sua experiência na TV e no Teatro são boa parte de tema para o livro. Incrível, incrível mesmo, poder ter conhecimento de suas histórias, de suas dificuldades no palco, das censuras, dos assédios, das lutas políticas e dos relacionamentos com os colegas. A gente sabe que o meio artístico é muito disputado, mas ouvindo essas histórias é possível ter uma dimensão da coisa. Aracy não possui uma beleza clássica, e mesmo assim, com sua grandiosidade, foi protagonista e interpretou mocinhas e vilãs , tornando-se um sucesso no Brasil inteiro.
Interessante é a sua relação com os irmãos, ora problemática, ora de afeto extremo. E ela fala claramente sobre as brigas familiares. Demonstra muito carinho pela mãe e pelo pai, e deixa claro o quanto eles foram importantes para a sua personalidade: “Muita gente acha que sou armênia, mas nasci no Brasil e meus pais, Raphael e Esther, ambos armênios, sempre tiveram uma enorme preocupação: que seus filhos fossem bons brasileiros. A Armênia permanece viva em mim, nas histórias que ouvi, a minha vida inteira, e que o meu pai e a minha mãe contavam com muita emoção”.
“Eterna Fênix” foi um dos títulos cogitados para o livro. A ideia da autora e da atriz era criar uma relação metafórica à carreira de Aracy, que mesmo com altos e baixos, nunca caiu no esquecimento… “Ela sempre ressurge”. Também relacioná-lo ao drástico acidente que Aracy sofreu e que, segundo ela, mudaria seu modo de ver a vida. “Eu nasci em 1940 e posso dizer que renasci em 1994. Neste ano, um incêndio acabou com o meu apartamento. O fogo lambeu os móveis, as janelas, dinheiro, roupas, capas de revista, fotos, a minha história. Fiquei uma pessoa sem lembranças, e isso foi o que mais doeu. Dizem os espiritualistas que o fogo limpa. E como uma fênix renasci, porque descobri que sempre se pode começar de novo”.
Citações:
Posso dizer, também, que fui cobrada por não ser mãe. Não me deixam em paz. Uma vez, estava no corredor, indo para a maquiagem e ouvi uma atriz jovem, bonitinha, reclamando com a maquiadora (atenção, eu sou a rainha da equipe): “Para de falar Aracy, Aracy, Aracy Balabanian já era!” Entrei e rebati: Tomara que, quando você for, chegue a ser como eu. Ela me jogou na cara a sua maternidade: “Me respeite, porque sou mãe”. “Sem problema minha filha, a puta também pariu”.
Por fim, além de virgem, sem filhos e solteirona, às vezes as pessoas dizem que sou homossexual. Foram falar para a Guta, a diretora de elenco da Globo, e ela me chamou para perguntar. A primeira pessoa que saberia seria você, para quem não escondo nada. Parênteses, Guta foi uma pessoa muito importante na minha vida, alguém que tinha um amor incondicional por mim e por isso mesmo eu a chamava de mãe. Se chegasse para ela e dissesse que tinha virado sapata, ela aceitaria na hora. Mas a verdade é que jamais me interessei por mulheres. Sou freudianamente ligada ao meu pai, à virilidade. O que me atrai é a diferença, não a semelhança. Já até pensei no assunto, arrisquei bater umas pestanas para algumas mulheres que me assediaram, mas não passou disto, não mesmo.
(Sobre Sai de Baixo): O Miguel fazia loucuras em cena. Soprava no meu ouvido o texto, beliscava a minha bunda. Um dia, estavam sentadas na primeira fila minhas duas irmãs mais velhas. Ele me levou para a frente do palco e perguntou para a platéia se eles sabia como eu era chamada na escola. E arrematou: “Pizza gigante, dava para oito ao mesmo tempo.” As minhas irmãs abaixaram a cabeça. Não satisfeito ele continuou: “Produção, tira estas velhas chatas aqui da frente porque elas não querem rir de nada”.
Não sei se sou muito boba, acho que sou, porque era a única que queria continuar. Sentia-me no melhor dos mundos. […] Sai de Baixo me permitiu uma tranquilidade financeira, além do salário, recebíamos muitas coisas a mais. Como o elenco brigava o tempo todo por vantagens, eu acabava usufruindo. Foi com o dinheiro que ganhei em Sai de Baixo que pude comprar este apartamento em que vivo agora e consegui fazê-lo exatamente da maneira que queria.