Obrigada, São Paulo!

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Meu blog é também uma espécie de diário, eu sempre tive mais facilidade em me expressar dessa forma: escrevendo. Se você me conhece – pessoalmente – e está lendo isso, sinta-se privilegiado (pois não é para todo mundo que conto que escrevo por aqui). Para quem não me conhece, um esclarecimento: eu morei em São Paulo por 3 anos e há 3 meses voltei pra casa. E é sobre isso que quero escrever hoje:

Cheguei em São Paulo com 24 anos, recém formada, desempregada e sem ideia do que realmente queria fazer da vida (eu ainda não tenho certeza de muitas coisas, mas hoje já tenho em mente qual rumo seguir). Quando paro para pensar em quem eu era naquela época, me vem em mente uma única palavra: inconsequente. Deixei muitas coisas pra trás, sem preocupação nenhuma. E não me arrependo, porque valeu a pena. Morar em São Paulo me ensinou inúmeras coisas e por isso, serei eternamente grata.

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Eu sempre achei que era uma menina super independente, até o momento em que tive que pagar o primeiro mês de aluguel. Sempre achei que me virava muito bem sozinha, até precisar fazer a compra do mês e lavar minhas roupas. Aos poucos eu fui me adaptando às tarefas, mas fazendo tudo de um jeito meio largado, que é como eu sou mesmo. Essas pequenas (grandes) coisas me ensinaram a dar valor àquilo que eu sempre recebi, sem ter que fazer esforço. Depois que voltei, já perdi as contas de quantas vezes perguntei para minha mãe: “Como você conseguia fazer isso tudo sozinha?”

Mas a grande questão é que São Paulo me ensinou a valorizar (ainda mais) a minha família e amigos. Não é fácil ficar “sozinha” numa cidade desconhecida, com uma cultura bem diferente da qual você está acostumado. Eu tive alguns momentos de solidão, que pra ser sincera, eu não imaginava que teria.

Essa distância me fazia ficar preocupada com a saúde da minha avó ou da minha mãe e ainda tinha o fato de que minhas melhores amigas estavam fazendo inúmeras coisas das quais eu só podia participar através de vídeos chamadas. Não que as experiências que tive em São Paulo não tenham sido válidas, entende? Eu conheci lugares bem diferentes, vivi uma vida cultural bem intensa (principalmente no início), estudei na USP e o mais importante de tudo  – conheci  pessoas incríveis (que quero levar pra toda a vida).ap23

E quando passava rapidamente por MG, meus amigos faziam questão de ir me ver (mesmo morando bem longe), e sempre (sempre) diziam: Sua mãe tá sentindo sua falta e nós também. Resumindo: eu nunca me senti tão sozinha e querida ao mesmo tempo.

Reiterando: EU AMO SÃO PAULO, que me permitiu muitas coisas ( que talvez não viveria se não tivesse me mudado). No começo, até pegar o metrô era aventura – cheguei a ter uma espécie de “crise” quando andei pela linha amarela pela primeira vez. Eu tive muito (muito) medo, mas fui… e depois, aquilo foi se tornando um hábito. No começo eu me sentia bem insegura de sair sozinha e e nos últimos dias, eu já tinha me acostumado.

De todas as coisas, a mais importantes que levo são:

  • entendi que certas coisas não estão em acordo com meus valores (e que não sou obrigada a aceitá-la.
  • Se você quer uma coisa, lute por ela. 
  • Toda escolha tem sua consequência.
  • Saudade dói pra caramba! 

 

Consolação

Consolação começa em Paris, Laura acompanha os últimos momentos do seu marido, Jacques – que está em um leito de hospital, moribundo. O texto, escrito em primeira pessoa e com diversas intervenções psicológicas, nos contextualiza sobre a sua situação: Jacques sofre dores terríveis, tem uma enorme ferida na boca, dificuldades para respirar e clama pela morte.

Laura implora para que a médica responsável pelo caso termine com seu sofrimento, mas não consegue o que deseja: “Durmo e acordo com a palavra eutanásia. Euthanos… a boa morte. Por que a boa morte é proibida? Por que a lei obriga o homem a sofrer? Gemendo e chorando nesse vale de lágrimas. Mais que isso: Bendizendo a nossa dor. A dor é o castigo bendito de Deus…ela expurga o pecado do sexo. A mulher que amaldiçoasse as dores do parto era condenada à fogueira pela Inquisição”.

Enquanto seu marido praticamente vegeta (não consegue mais comer ou falar), Laura se torna uma observadora, um agente passivo diante da morte do ente querido.

Laura não está sozinha, seu filho Alex também assiste a morte do pai. Mas agora ela está viúva e precisa olhar pra frente: “Chorar, sim; soluçar, não. Interessa mostrar a dor? E para o choro tem um tempo. Lamentar a infelicidade atrai a infelicidade”. Depois que Jacques morre, Laura viaja para São Paulo e realiza um encontro com sí mesma e com a família que deixou quando mudou-se para a França.

Antes de ir para casa da mãe e da irmã, decide ir ao cemitério Consolação visitar o túmulo do pai. No caminho se depara com um enorme engarrafamento e decide ir a pé. Enquanto se dirige ao cemitério encontra personagens (“os que nunca são vistos ou ouvidos”) que possuem histórias de vida tão interessantes quanto a sua. ‘

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Betty Milan é uma psicanalista paulistana, conheci seu trabalho através de uma peça de teatro protagonizada por Bete Coelho (Adeus, doutor!) e depois disso passei a acompanhar sua coluna na Veja (Consultório Sentimental). Fiquei feliz em encontrar seu livro Consolação (publicado em 2009) por apenas R$ 8,00. O li em pouco tempo e várias passagens me incitaram a refletir sobre a vida, sobre a morte e sobre a dor.

É engraçado porque não consegui me identificar muito com a personagem principal. Depois que ela chegou em São Paulo, a única coisa que sabia fazer era reclamar, nada atendia a Laura: o trânsito estava ruim, o rio transbordava trazendo doenças, a arquitetura uma cópia do que foi feito em outros países, ‘só buraco no chão’ e muitos mendigos na rua. Enquanto Paris simbolizava o paraíso, São Paulo era o inferno. – Fiquei com raiva, Laura me pareceu ingrata com a cidade onde nasceu.

Compartilho alguns de seus preceitos, não concordo com o prolongamento da dor. Não sou especialista no assunto, mas acredito que ninguém merece viver em desconforto, em sofrimento, a não ser que apresente um quadro do qual pode se recuperar. Dizem que a gente só sabe de verdade o que é dor quando ela está no nosso corpo.

Mas, quando ela diz “Chorar, sim; soluçar, não. Interessa mostrar a dor? ” tenho lá as minhas dúvidas. Essa metáfora presente no livro, onde Laura/Milan defende a idéia de que não se deve demonstrar luto por muito tempo, nem espernear ou mostrar a dor me lembrou um dos primeiros episódios de Six Feet Under, quando o marido da Ruth Fisher morre. Primeiro, ao saber da notícia, Ruth tem um ataque na cozinha. No velório, diante das pessoas, senta-se contida e quase não faz barulho, tudo porque não fica bem e não é chic aparentar fraqueza/dor.


David, filho de Ruth, questiona: qual o problema em demonstrar a dor? Qual o problema em chorar e gritar até perder a voz se, o que se sente é uma tristeza tão grande que quase não cabe no peito?

(Coloquei o vídeo do episódio abaixo e tenho que evidenciar que a Frances Conroy é magnífica! )

Por fim, só me resta dizer que fiquei encantada com os momentos em que Laura, dentro do cemitério, conversou com Oswald de Andrade – como se Laura tivesse feito as pazes com o país. Gosto, principalmente, quando ele fala sobre a antropofagia e diz o seguinte:

Laura: –  O manifesto antropófago… Aprendi com ele a gostar de canibais.

Oswald:  – Canibais não, antropófagos… O canibalismo é coisa lá do europeu, que comia carne humana para se saciar ou para se curar. Os médicos inclusive aconselhavam a beber sangue humano. De preferência quente. Até o século XIX, os carrascos ganhavam a vida vendendo partes do corpo do criminoso. O canibalismo não tem nada a ver com a antropofagia. Os tupis não comiam carne humana para se satisfazer. Comiam por respeito ao morto e à sua família. A antropofagia era um rito de amor. Os índios consideravam o enterro uma prática horrenda, bárbara mesmo. A idéia do cadáver apodrecendo na terra era insuportável para eles.

Consolação Betty

[Consolação / Betty Millan –  Rio de Janeiro, Record, 2009]