28 de Junho de 1949

Sei que essas palavras podem ser usadas para me incriminar, apesar disso preciso escrever um pouco para aliviar a culpa que cresce e sufoca o meu coração. Uma desgraça se abateu sobre a minha vida, uma nuvem nebulosa invadiu os meus dias: estou desesperada e com muito medo! Depois do último show que fiz, saí com um cliente e ficamos bebendo por horas. Ele acabou dormindo, eu pequei o meu dinheiro e fui embora. Oh Deus! Não sei como descrever o que aconteceu depois.

Saí de carro em direção a minha casa, eu estava alcoolizada e não percebi que uma garotinha, uma pobre e pequena garota passeava em sua bicicleta. Tudo aconteceu tão rápido! As únicas coisas que consegui reparar foi que ela vestia um casaco azul e usava óculos grossos. Senti os efeitos da batida sobre o meu corpo, o vidro do carro estava quebrado, vi a menina estendida no chão – ela pedia por socorro. Fiquei aterrorizada, acelerei com o meu carro e a deixei lá. Eu sou um monstro!

Não consegui dormir direito, bebi mais e mais até ficar inconsciente. Hoje de manhã, Terry bateu em minha porta e disse que colocara outra pessoa para cantar no meu lugar. Adivinha quem? Isso mesmo, a prima gorda dele. Eu sabia que algo estava errado. Ele não desconfiou de nada,  não sabe (e nem pode saber do atropelamento). Tentei seduzi-lo, me humilhei, implorei para que me deixassem cantar. Ele me empurrou, disse que ‘eu estava cheirando a vômito’. Aquele infeliz! Terry já bateu em mim uma vez, eu estava no palco e o vi beijando outra mulher. Fiquei com raiva, com um ciúme incontrolável.  Aproveitei a oportunidade e disse no microfone: ‘Estão vendo aquele canalha? Aquele mesmo de terno  marrom! Pois ele é um vagabundo, um homem que vive às custas da mulher!’. Ele fingiu não ouvir, pegou a puta com quem estava e saiu. Horas depois bateu em minha porta, me deu um soco que me deixou bamba. Caí perto do sofá e ele não parava de me bater, me deu pontapés perto da barriga, socou o meu rosto na parede. Alguns homens que estavam perto ouviram os gritos e o impediram, eu sangrei tanto que tive que ser levada ao hospital. Fizemos as pazes depois, ele percebeu que não conseguiria viver sem o meu dinheiro, apareceu no meu apartamento com rosas, pedindo desculpas – eu aceitei.

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Terry me deixou um pouco de dinheiro e um jornal – a notícia sobre o atropelamento se espalhou e agora eles procuram o assassino. Eu sou o assassino! Peguei todas as minhas coisas e saí sem rumo com o meu carro, estou parada em um acostamento A pequena está morta! Se eu pudesse eu teria dado a minha vida a ela, eu não tenho medo da morte, já fiquei cara-a-cara com ela e não me estremeci por isso. Eu não sei o que fazer, que Deus me ajude.

Ass. Judy

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26 de Junho de 1949

Não estou familiarizada com diários, mas confesso que hoje senti uma vontade enorme de escrever. Estou triste e me sentindo muito só, não tenho em quem confiar. Estou no fundo do poço, já não sou mais uma jovenzinha.  Meu nome é Jude Martin, ou Judy se preferir. Tenho 56 anos, não sou casada e não tenho filhos. Vivo há algum tempo nesse pequeno apartamento, nesse quarto abafado e escuro que quase não uso. As coisas pioraram desde que me mudei pra cá, antes eu trazia meus amigos, ficávamos até de madrugada fazendo festas, bebendo até cair – meus amigos foram sumindo aos poucos, se é que posso chamá-los de amigos.

DADASPasso a maior parte do dia dormindo, gosto da noite: vivo dela. Trabalho como cantora em um inferninho, conheci alguns homens interessantes lá (me apaixonei por alguns, me perdi por outros, estou viva por causa deles). Soldados, advogados, professores, todo o tipo de homem passa naquele lugar. É assombroso a forma que se portam: comem, bebem, transam e no outro dia se dizem homens de família, vão pra casa para impor ordem. Tenho pena das mulheres e dos filhos deles, da vida medíocre que provavelmente levam.

As coisas não estão bem, a verdade é que nunca estiveram. Vou fazer uma confissão: não consigo parar de beber. Bebo quando me sinto triste, para afogar as mágoas. Bebo quando estou alegre, para comemorar. Estou endividada, o dinheiro dos shows (e dos programas) não rendem para nada, sinto que querem roubar o meu lugar. A prima gorda do Terry sempre aparece nos ensaios, estão me pressionando, criticando a minha voz, falaram que estou desafinada.

Como odeio essas pessoas, esse lugar! A vida foi injusta comigo, eu merecia mais, muito mais!

Terry é um homem de cor, forte e viril. É ele quem comanda a banda, foi quem me convidou para ser a cantora e por algum tempo, deixei que fosse meu gigolô. Nossa relação não vai nada bem, ele se nega a se deitar comigo. Bill está estranho, sinto que algo está errado. Fiquei sabendo  de uma reunião da banda, uma reunião da qual não fui convidada a participar. Katherine (a garçonete) me contou que eles falavam baixinho pra ninguém ouvir. Gosto da Katherine, ela já trabalhava aqui quando eu cheguei, me ajudou a entender o funcionamento do lugar e me apresentou aos clientes.

Tenho que descer para o bar. Escolhi o meu melhor vestido (aquele vermelho), também arrumei as unhas e o cabelo, quero que tudo saia perfeito. Não quero que Bill tenha motivos de reclamação, preciso desse emprego. Será que ele vai sentir o cheiro da bebida? Se ele perceber que bebi estou perdida.

Ass. Jude Martin.

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