O Exótico Hotel Marigold

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Tive uma conversa bastante produtiva com uma colega da faculdade que dizia que tem um medo enorme de envelhecer. Acho engraçado essa predisposição que nos temos de viver ansiosamente imaginando o futuro. Minha colega tem apenas 21 anos e já está pensando na velhice. Obviamente, todos nós paramos um dia da vida para pensar em como estaremos daqui há quarenta anos. O assunto surgiu porque o nosso professor explicava o conceito de âncora que dentre inúmeras coisas, traz uma reflexão sobre como o sujeito contemporâneo experimenta o tempo. Estamos vivendo em um mundo aceleradíssimo e essa nova noção, nos faz ter uma relação distinta com o passado.

Então depois da aula, minha amiga me mostrou um artigo daJudi Dench Elaine Brum chamado “Esses filhos perplexos diante da velhice dos pais” onde a jornalista realiza um belíssimo argumento sobre o surgimento de uma nova relação entre pais e filhos. Para Brum, a frase dos pais na década de 1970 é: “não quero incomodar meus filhos”. Mas a frase dos pais dessa geração é: “Incomodar os meus filhos? Nem me importaria. O que não quero é que os meus filhos me incomodem!”. O artigo é realmente muito bom e ela utiliza quatro filmes recentes sobre a velhice para ilustrar o texto. Um deles, o qual ela classifica como o ‘mais fraco’ é O Exótico Hotel Marigold, dirigido por John Madden. *(Os outros são: E se vivêssemos todos juntos, O quarteto e Amour).

 O Exótico Hotel Marigold conta a história de um grupo de aposentados britânicos que resolvem viajar para a Índia, atraídos pela publicidade de um hotel exótico e barato. Quando chegam no lugar, descobrem que as acomodações luxuosas em que imaginavam ficar estão, na verdade, quase caindo em pedaços. O filme traz a belíssima Judi Dench no papel Evelyn, uma mulher que ficou viúva e descobriu que o marido deixou inúmeras dividas a serem pagas. Ela então vende o apartamento e vai a Índia, para tentar reconstruir a vida. A produção também traz Maggie Smith, no papel de uma mulher rabugenta e preconceituosa que precisa ir a Índia para fazer uma cirurgia no quadril.

Maggie SmithApesar desses dois monstros do cinema inglês, o destaque vai para Tom Wilkinson e para Penelope Wilton. Tom Wilkinson interpreta Graham, um juiz aposentado que vai a Índia para fazer as pazes com o passado e reencontrar o grande amor da sua vida: um indiano com quem se relacionou quando jovem. Os dois foram pegos enquanto transavam. Graham voltou para faculdade sem saber o paradeiro do amante. Passou a conviver diariamente com a culpa, imaginando os terríveis castigos que o companheiro poderia ter sofrido. Penélope, por sua vez, interpreta Jean, uma mulher mal humorada e amargurada com a vida. Jean e o marido (interpretado por Bill Nighy) resolvem viajar para Índia para comemorar o casamento. Ela, no entanto, não se contenta com o local, nem com as pessoas e tenta, de todas as formas, voltar para casa.

Para todos os personagens, mas principalmente para esses dois, há uma mudança brusca na vida: uma ruptura. Enquanto Graham encontra a possibilidade de viver em paz com o passado e com a própria consciência, Penélope se vê diante de uma nova perspectiva de futuro. Há também outros plots interessantes como a história de Sonny (Dev Patel), que tenta manter o hotel, apesar de não ter nenhum talento para administração, ou da história de Sunaina (Tena Desae), que não é aceita pela família do namorado (Sonny).

O filme é de uma delicadeza tamanha e apresenta um aspecto interessante: o choque de culturas. Essa dificuldade que nos temos de encarar outro país, com cores diferentes, cheiros, lugares, crenças e comidas distintas. Quanto a velhice, o filme nos impulsiona a refletir positivamente sobre o nosso futuro. Há uma passagem final da personagem da Judi Dench que eu acho sensacional e tomei a liberdade de reproduzir:

“É nossa culpa achar que somos muito velhos para mudar? Com medo da decepção, para começar novamente? Nos levantamos de manhã e fazemos o que podemos. Nada mais importa. Mas também é certo que a pessoa que não arrisca nada… não faz nada, não tem nada. Só o que sabemos do futuro é que será diferente. Mas, talvez, o que tememos é que ele seja o mesmo. Por isso devemos comemorar as mudanças. Porque, como já disse alguém, no final tudo dá certo. E se não der certo, então, acredite…é porque ainda não chegou no final.”

Normal

Amor, Casamento, Aceitação, Sexo, Mudança
Amor, Casamento, Aceitação, Sexo, Mudança

Quando achei que a Jessica Lange não podia me surpreender mais, encontro disponível na internet “Normal”, longa produzido em 2003 pela HBO. Com muita delicadeza, o filme dirigido por Jane Anderson (e que traz Tom Wilkinson e Richard Bull no elenco) explora uma discussão antiga e complexa: a transexualidade. Apesar do assunto não ser uma novidade, a troca de sexos continua sendo motivo de grandes discussões políticas e representações cinematográficas. No filme “A Lei do Desejo” (de 1987), Carmen Maura interpretava Tina, um homem que mudou de sexo para manter um caso incestuoso com o pai. Também não muito distante Felicity Huffman protagonizou em 2005 “Transamérica”, longa em aparecia como um transexual que lutava para realizar a cirurgia de troca de sexo.

Mas, diferente das bizarrices de Almodóvar ou da abordagem quase visceral de Duncan Tucker, “Normal” é extremamente leve. Vemos Roy Applewood, um senhor casado e com filhos que decide assumir a transexualidade. Ele cria um embate com a conservadora cidade onde mora e passa a conviver com a hipocrisia, com o preconceito dos colegas do trabalho e com a incompreensão da família. A imagem de Tom Wilkinson, vestido de mulher me lembrou muito o cartunista brasileiro Laerte Coutinho. Para quem nunca viu, há uma entrevista maravilhosa que Coutinho cedeu a Marília Gabriela onde fala do seu trabalho e de suas experiências como transexual. Recentemente, Laerte tomou uma atitude polêmica: entrou na justiça para ter o direito de usar o banheiro feminino.

{A revelação}

Logo no início do filme, o casal Roy e Irma Applewood (que comemoram 25 anos de casados) reúnem-se com o padre da igreja para conversar sobre a relação. Após uma benção, o padre questiona se está tudo bem ou se há alguma coisa interferindo na vida sexual dos dois. Inesperadamente, Roy (um senhor na casa dos cinquenta anos) não consegue segurar as lágrimas e confessa: “Sou uma mulher presa no corpo de um homem e quero fazer uma cirurgia para trocar de sexo”.

Em princípio, tanto o padre quanto a Irma não acreditam naquela conversa. Porém, quando cai na real de que tudo aquilo é verdade e de que o marido está decidido a fazer a cirurgia, Irma abandona a sala e termina a reunião. Já em casa e incrédula começa a confrontar o marido com perguntas duras e diretas: “Quando você transava comigo, era um homem ou uma mulher?” De maneira sincera e compreensível, Roy responde que em várias vezes, durante o sexo, se sentia como mulher.

- Eu não quero desculpas, eu quero o meu marido de volta!-Você não pode tê-lo de volta.
– Eu não quero desculpas, eu quero o meu marido de volta!
-Você não pode tê-lo de volta.

Ironicamente, a filha do casal (interpretada por Hayden Panettiere, ainda bem novinha) possui trejeitos masculinizados, não gosta de usar roupas de meninas e não tem paciência quanto à menstruação. Irma faz de tudo para que ela não saiba do que acontece com o pai, mas há situações que não podem ser evitadas. Sem delongas, Irma manda Roy para fora de casa e implora para que ele repense suas “escolhas”. Acontece que Roy chegou ao ponto de não conseguir negar-se mais, chegou ao fundo do poço, estava com algo entalado na garganta e aquele era o momento de se libertar.

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{Transformação}

Roy conversa o chefe para informá-lo que daquele dia em diante, passaria a se vestir como mulher. O chefe lentamente entende que Roy está falando a verdade e apesar de incompreender a situação, decide mantê-lo no cargo. O chefe vai até a casa de Irma para perguntar se aquilo está realmente acontecendo. Após uma conversa familiar, os dois trocam olhares e surpreendentemente, se beijam. Logo se separam e brincam: “Não daria certo” – o que não é verdade já que os dois passam a ter um caso. Brilhantemente, o filme explora não só a sexualidade de Roy, mas também a sexualidade de Irma. Depois de assumir-se transexual, Roy deixa claro para a mulher que o sexo é uma necessidade natural do ser humano, portanto, ela tem o direito de transar com outros homens (já que ele vai realizar a cirurgia).

Roy passa a tomar hormônios, fica mais sensível, os seios crescem, assim como os cabelos. Nesse meio tempo Irma entra na menopausa e os dois enfrentam juntos, as mudanças corporais. Em uma cena divertida e ao mesmo tempo bela, Roy ouve som no carro e tenta cantar com voz de mulher. No dia seguinte, quando chega de brincos no serviço, um de seus colegas o obriga a tirá-los. Entre socos e pontapés, Roy impõe-se e mostra que a partir daquele momento, teria que ser tratado com respeito.

{Aceitação}

O filme, na verdade, não explora o que aconteceu com Roy antes da “revelação”. Há poucos lampejos e referências a uma infância em que ele, ainda menino, pegava as roupas da mãe para se transvestir. O enfrentamento com o pai, em uma festa de família tornou-se o ponto alto da representação de seu sofrimento. Durante os parabéns, o patriarca da família relembra o quanto Roy era diferente dos outros. Humilha-o diante dos irmãos, da filha e da mulher. Roy esquiva-se da sala. Tempos depois, Irma o encontra no celeiro, com uma espingarda apontada para o pescoço.  Diante do êxtase emocional percebe que não conseguiria perder o marido, não conseguiria vê-lo morrer.

Irma Jessica Lange

Após a possibilidade da perda, Irma permite a volta do marido a casa e passa a conviver pacificamente com a mudança.  Em uma cena belíssima, Irma opina sobre as escolhas de roupa do Roy. Ele, já vestido de mulher, agradece o apoio. E ela responde: “Você faria o mesmo”. Os diálogos são uma lição de amor e cumplicidade, de que o amor (o verdadeiro) vence as dificuldades do dia-dia.

Pouco tempo depois Roy e a família vão à missa. Os integrantes passam a encará-lo e ele, respeitosamente se ausenta da Igreja. Com certeza, esse é um dos pontos positivos do filme: a diretora trata com compreensão a incompreensão das pessoas diante a transexualidade. Sem julgamentos, AndersonRoy Tom Wilkinson mostra que nem todo mundo entende o que acontece com um transexual e que esse é um processo dificílimo. De alguma forma, a cena da igreja me fez lembrar uma conhecida que dizia que se estivesse com a filha na rua e visse dois homens (ou duas mulheres) se beijando, chamaria a polícia. Levei essa discussão para a aula de Política e um dos meus colegas disse uma coisa interessante: “às vezes o pré-conceito está intrínseco, a pessoa não percebe quanta maldade um ato desses representa. Em um país sério, se ela chamasse a polícia seria ela que iria presa”.

 Por último, há outra cena que me deixou emocionadíssima. A família recebe o filho mais velho. Quando ele encontra o pai (sua referencia de masculinidade) vestido de mulher, começa a julgá-lo. Os dois se esmurram pela casa até que o pai consegue convencê-lo de que o respeito mútuo é indispensável. Os dois, em lágrimas, abraçam-se na escada sala. Quando as coisas voltam ao Normal, Irma e Roy fazem sexo como homem e mulher, pela última vez.