Orange is the new black

Ouvi falar em ‘Orange is the new black’ há alguns meses atrás, mas tive relutância em assistir. Não sei por que demorei tanto. De repente, vi um trailer no Youtube e decidi assistir o primeiro capítulo. Logo, vi o segundo, o terceiro, o quarto… e não consegui parar. Assisti a primeira e a segunda temporada em um fim de semana, tudo de uma vez.

ImagemSe ‘Orange is the new black’ é isso tudo que eles falam? Sim, é isso tudo e um pouco mais. A série, baseada em uma história real, é produzida pela Netflix e criada por Jenji Kohan (que também foi diretora em Weeds). Eu não fazia ideia disso, mas a Netflix libera todos os episódios de uma vez a cada temporada… fica a critério do espectador assistir tudo ou não.

A trama conta a história de Piper Kerman, uma mulher de classe média alta que acaba sendo presa por ter se envolvido, na juventude, com traficantes de drogas. Piper leva um choque cultural quando chega ao presídio feminino e se depara com situações degradantes, com histórias pessoas dramáticas e com os desafios cotidianos para manter a dignidade – e como diria a Red (um dos meus personagens favoritos): com a dificuldade em “resistir ao sistema”.

Difícil não rir e não se emocionar com os episódios.  Difícil não se colocar no lugar delas. Kohan é inteligentíssima e consegue nos fisgar pela simplicidade e naturalidade dos personagens, pelo tom realístico (e isso é sim, um grande diferencial) e pelo cuidado com a narrativa. É incrível como ela consegue trabalhar com tantos personagens, tantas histórias, tantas perspectivas, sem se perder no meio do caminho e sem deixar nada em aberto.

Quando eu falo no aspecto realístico me refiro não só à situação deplorável das prisioneiras ou dos dramas particulares, ou mesmo das críticas sociais. Orange’, é uma série esteticamente realística. Por exemplo: as atrizes usam pouquíssima maquiagem, aparecem em tela com o cabelo descuidado, falam e fazem sexo com certa naturalidade, são politicamente incorretas (…). tumblr_n6ws7kei8y1rx0x5qo1_500

Gosto dessa temática, dessa ênfase em personagens marginalizados. A TV está tão cheia de clichês, de personagens lindos, ricos, felizes, loiros, jovens e héteros, que é fácil se impressionar com algo tão bem feito e que foge a regra. Em Orange acompanhamos, por exemplo, a história de uma transexual, a Sophie, que além de enfrentar o preconceito, precisa reconquistar o amor e a confiança do filho. Suzanne (ou Olhos loucos) é uma mulher hilária e como o apelido já diz, louca… mas que tem uma história tristíssima, repleta de medos, anseios e solidão. Ou Nick, uma ex-viciada em heroína que nunca conseguiu se entender bem com a mãe.  Rose, uma mulher que roubava bancos, agora tem câncer e está prestes a morrer. Red, uma russa autoritária, que toma conta da cozinha e protege as prisioneiras.

Em Orange os diálogos são pérolas, carregados de duplo sentido, de metáforas bem construídas e repletas de sarcasmo.  E sim, há muito sexo gay… O que é também é interessante porque brinca com o preconceito, coloca a homofobia em cheque e mostra que a temática vem, cada vez mais, ganhando espaço. Eis uma série perfeita para quem quer rir e se emocionar…

RedVeja o trailer:

Tomboy

Tomboy é um filme simples, que trata de um assunto complexo sem rodeios e com muita naturalidade.  O longa de 2011, dirigido por Céline Sciamma, conta a história de Laura (Zoé Héran), uma menina de onze anos que gosta de se vestir (e se comportar) como menino. A trama acompanha a adaptação de Laura e de sua pequena irmã Jeanne (Malonn Lévana) à nova casa. Seus pais se mudam constantemente e Laura se vê obrigada a fazer novos amigos. Aproveitando o fato de ser desconhecida, Laura se faz passar por um garoto. Ela se apresenta aos vizinhos como ‘Michael’ e na turma das crianças conhece Lisa (Jeanne Disson) por quem se apaixona.

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Diferente das outras garotas, Laura/Michael ainda não desenvolveu seu corpo e sua fisionomia confunde-se com a de um garoto. Ela percebe a diferença, mas sente-se insegura ao se aproximar das outras crianças. Seus questionamentos e dúvidas ficam visíveis quando Laura, em frente ao espelho, analisa se pode ou não se juntar aos outros meninos e jogar futebol sem camisa. Não há dúvidas quanto sua sexualidade e sim quanto ao seu comportamento. Laura gosta de Lisa e isso fica evidente logo nas primeiras cenas. O que a incomoda, o que lhe faz chorar sozinha no quarto, é o fato, por exemplo, de não conseguir fazer xixi em pé como os outros.

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É interessante como a curiosidade infantil sobre a sexualidade nasce espontaneamente. Em um cena repleta de delicadeza, Sciamma mostra Laura em frente ao espelho, observando sua fisionomia em silêncio. Ela tira a camisa, tira o short e fica lá, por um longo tempo. Suas atitudes são de uma criança tímida e em contraponto, de uma garota decidida. Não há diálogos que abordam a sexualidade de Laura, em nenhum momento a personagem aparece conversando sobre o assunto, mas as imagens dizem tudo: Laura é um menino, presa no corpo de uma menina.

A atitude de naturalidade dos pais é reforçada quando a mãe descobre que Laura se passa por menino para os amigos. Ela não lhe repreende por se vestir como homem, mas por mentir sobre sua identidade. Laura é obrigada a ir à casa de Lisa e contar que é uma menina. Toda a crueldade (e a curiosidade das crianças) se aflora e Laura é humilhada e afastada do grupo. E é dessa forma que Sciamma, com muita destreza nos dá uma bela lição que vem através de um carismático personagem, que chama a atenção durante todo o filme: Jeanne.

Com apenas cinco anos, Jeanne não se questiona sobre a irmã. Ela a ama e a defende independente de qualquer circunstância.  Tem a pureza de uma criança pequena e diferente das outras, não foi contagiada por pré-conceitos. Portanto, Jeanne mantém a mentira de Laura e diz aos amigos que tem um irmão chamado Michael. Apesar da complexidade do papel, Zoé Héran fica menor em tela quando está ao lado de Malonn Lévana. A garotinha chama atenção pela destreza e pelo rostinho cativante.

Queria também chamar atenção para um detalhe. Desde que vi Albert Nobbs, me interessei por artigos que abordam a transexualidade e em muitos há uma observação interessante que, definitivamente, se adéqua ao filme. Tomboy (ou ‘menina moleque’) refere-se a meninas que se vestem como homens, mas não é um termo que está condicionado a homossexualidade. O que os artigos querem dizer é que  nem toda lésbica gosta de se vestir de homem e nem toda mulher que gosta de se vestir de homem é lésbica. Um detalhe que parece muito evidente, mas que não é. Pelo contrário, é muito comum que as pessoas façam essa ligação que não deveria ser encarada como uma ‘regra’.