Se eu fosse cantora, eu gostaria de ser como…

Semana passada estava assistindo ao Fantástico e vi que o resultado de uma pesquisa sobre profissões, indicou que o sonho da maioria das mulheres brasileiras, quando crianças, era “Ser Cantora”. Fiquei pensando com os meus botões, naqueles pensamentos que a gente tem e que não servem para nada e que não nos leva a nada…

Mesmo assim, fiquei me perguntando, e “Se eu fosse cantora, gostaria de ser como?” Quero dizer, com qual cantora eu gostaria de parecer? Quais cantoras me inspiram? Eis a resposta…

Mercedes Sosa, La Negra: “A voz dos sem voz”. Conheci a sua música exatamente no ano em que morreu, 2009. Lembro que fazia uma pesquisa sobre a Elis Regina e acabei sendo redirecionada para um de seus vídeos, ela cantava “Solo le pido a Dios”, uma das músicas mais lindas que eu já ouvi – um verdadeiro hino. Quando penso em Sosa, logo me lembro da Violeta Parra – as duas, consideras as vozes mais famosas da América Mercedes SosaLatina. Não é para menos, Sosa, inclusive, foi uma das defensoras do pan-americanismo – uma luta pela integração latina. Era mais do que uma cantora, tinha mais do que uma voz bonita, era uma ativista política e deixou um incrível legado que defendia a busca primordial pela paz e pela justiça. Aliás, seu legado não ficou só para a Argentina, a sua ‘pátria’ … ficou para todos os povos – é por isso que Sosa é universal.

Quando vi a Gal Costa pela primeira vez, em um show realizado aqui em Belo Gal CostaHorizonte, confirmei toda as expectativas que tinha sobre a sua figura: seu comportamento, quase agressivo e ao mesmo tempo extremamente doce (o que configura um louco – mas compreensível, paradoxo) era quase que uma retrospectiva de tudo o que eu li, vi e ouvi a seu respeito e que me fizeram admirá-la tanto. Gal cantava no palco, atingia notas altas com aquela voz única (sem o maior esforço) e eu, na plateia, via parte da tão complexa história do Brasil retratada em suas veias. Admirava a sua sensualidade e conforto, certeza como mulher e personalidade pública. Cheguei a escrever sobre ela, leia mais aqui se tiver interessado.

edithAcho que Edith Piaf está para a música assim como Frida Kahlo está para a pintura. Não sei se é uma comparação correta, por isso devo trabalha-la de uma melhor forma. Conheci a história de Piaf muito antes de vê-la virar filme, li em algum lugar sobre a sua história de tristeza, sofrimento, dor e abandono que, de certa forma, refletiram na sua música. Fiquei encantada como ela se entregou às paixões, como teve uma vida de excessos, luxos e glamour – contrastante com sua infância, pobre e solitária. Talvez, por isso a relaciono com a Frida – que igualmente teve uma vida repleta de dor (física e emocional) e conseguiu, de maneira sublime, transportá-la para a arte. Penso em Piaf com admiração e com tristeza, de certa forma, ela definhou diante do público – morreu com apenas 47 anos, completamente viciada…

Elis Regina marcou a minha vida e a minha história, sempre fui apaixonada por sua elis reginamúsica e principalmente por sua personalidade. Li inúmeros livros e artigos sobre ela, sua voz embalou momentos incontáveis da minha infância e adolescência. Se todas as cantoras que citei acima eram corajosas, ela era corajosa e mais… era atrevida – aliás, extremamente lúcida, se posicionava politicamente, defendia o direito das mulheres, não abria mão de sua liberdade de expressão (ou física). Também teve uma história incrível, uma morte inesperada e chocante, Elis se foi cedo demais, aos 37 anos.

Nana CaymmiSei muito pouco, ou quase nada da vida e da história da Nana Caymmi, mas ainda assim, considero a sua voz uma das mais bonitas que já ouvi. Me atreveria a dizer, a mais bonita. Singular, única, especial… quando Caymmi canta Pop Zen ou Resposta ao Tempo, não há quem se iguale – aquele tom aveludado, sem esforço e sem igual. Sei que Nana se impôs diante do marido que não respeitava a sua vontade de cantar e se não me engano, chegou a abandoná-lo e criar as filhas sozinhas – um forte indício de coragem e determinação.

Autotune Autoerótico

Roço a minha voz no meu cabelo
Desço a nota até o sol do plexo
Ai, meu amor, me dá, que calor, me beija
Ah, por favor, não vá, por favor, me deixa

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Não, o autotune não basta pra fazer o canto andar
Pelos caminhos que levam à grande beleza
Americana global, minha voz na panela lá
Uma lembrança secreta de plena certeza

 

Gal e eu

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Gal Costa esteve ontem em Belo Horizonte a convite da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais e maravilhosamente, cantou diversos sucessos de sua carreira (como Folhetim/Camisa Amarela). Por sorte fiquei sabendo da sua presença na capital mineira através de uma página argentina em sua homenagem. Os ingressos começaram a ser vendidos há um mês (e por falta de atenção ao boletim mensal do Palácio das Artes, soube em cima da hora). Minha mãe foi ao PDA  comprar um ingresso e eles estavam esgotados. Fiquei desesperada: há tanto tempo espero por ela e agora que ela está aqui, tão pertinho eu não consigo ingresso. Chorei, esperneei, fiz uma promessa de que se conseguisse entrar, ficaria dois dias sem falar nada. Cheguei lá mais cedo e fiquei rondando por um cambista. Consegui um ingresso (um pouquinho mais caro) e tive a felicidade de vê-la de pertinho, foi lindo.

Hoje eu poderia escrever um texto impessoal e informativo, apresentando as músicas e observando os aspectos estéticos e técnicos do show. Mas uma publicação sobre ela, cantora que eu tanto admiro, não poderia ser simplista assim. Peço desculpas pela repetição, pelo pieguismo… mas quando o assunto é Gal Costa, eu me derreto.

Como já disse aqui no La Amora, nutro uma sincera admiração por vários artistas. Sou fã da Susan Sarandon e da Jessica Lange, por exemplo. Mas quando o assunto é Gal Costa o sentimento que eu tenho é completamente diferente. Gal foi a voz de uma geração, aliás: foi a voz de uma nação: do meu país. Ontem antes de dormir, fiquei me lembrando dos diversos contextos em que sua voz esteve presente na minha vida e no quanto sou encantada por ela. Parece que Gal tem um “feitiço”, uma energia ou um poder que te sensualiza e te encanta.

Quando eu era pequena minha mãe dizia que os meus cabelos soltos pareciam com os de Gal. “Tá lindo, tá Gal”. Por uma inocência eu achava que cabelo bonito era cabelo liso: então quando ela dizia que parecia Gal eu ficava com tanta raiva! Um dia, cheguei na escola com os cabelos soltos e um colega disse: tomou choque? Tá parecendo a GalGAL COSTA! (foi terrível!). Fiquei com vergonha, morrendo de raiva e não podia prender o cabelo porque não tinha levado a presilha. Passei o dia sentada na carteira, querendo sumir e desde então, não fui a escola de cabelo solto (até que aprendi a fazer escova). Ironicamente, meus cabelos não possuem os mesmos cachos e eu sempre tento fazê-los parecer mais volumosos.  Acho o cabelo da Gal Costa tão lindo, tão lindo que admito que gostaria de ter um igual.

Outra lembrança que eu tenho é de assistir um programa na TV Cultura onde Gal cantava acompanhada por uma guitarra. O cara tocava um nota e Gal repetia com a voz. Achei aquilo belíssimo. Passei a imitá-la dentro de casa interminavelmente. Tínhamos um cd e que eu não me cansava de ouvir. Um dia apareceu um cd igualzinho, não sei como aquilo foi parar lá e então eu o levava comigo, dentro da mochila da escola. Um ficava comigo e o outro em casa. Meses depois descobri que era da vizinha (mas eu não devolvi). Um deles se perdeu mas o outro está aqui, um pouco rabiscado de caneta, mas a salvo.

GAL COSTASó fui entender a importância da Gal no ensino médio, quando me ensinaram direito o que foi a ditadura no Brasil (sobre os movimentos culturais, sobre o tropicalismo). Desde então as músicas dos Doces Bárbaros (e as músicas da Elis Regina, inevitável) era o que tocava no meu celular. Eu escutava o dia inteiro, sabia de cor e salteado.

Foi nessa época que comecei a alimentar uma vontade louca de ir a um show dela, de vê-la de pertinho (como o fiz ontem). Porque Gal é inspiração, é sinônimo de beleza e de força: de coragem. Conheci um rapaz chamado Lucas no Palácio, ele estava sozinho (assim como eu), tem 17 anos e é apaixonado por Gal (a quem chama de diva). Conheci Marina e Camila, duas meninas de 21 e 19 anos que a amam. Conversei com uma senhora antes de entrar para o show, ela era bem velhinha e disse: “A Gal tem uma energia que nenhuma outra cantora tem”. Quando entrei no ônibus para vir para casa, dois rapazes estavam conversando no banco de trás, falando sobre a Gal e sua voz. Eu me senti tão bem, tão feliz! Quer dizer: olha só quanta gente!

O show foi lindo, já no final o público saiu das cadeiras e se aglomerou ao palco. Lá estava eu, bem pertinho dela. Gal foi chamada de volta várias vezes, não queríamos deixá-la ir.

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O ano que não terminou

Uma colega me emprestou “1968, O ano que não terminou” de Zuenir Ventura, obra clássica moderna, indicada para qualquer estudante de jornalismo (e para qualquer um que se interesse pela história política e cultural do Brasil). Devorei o livro em dois dias… Zuenir tem um poder narrativo muito profundo, que envolve o leitor (e que exige agilidade), apesar da clareza na exposição das ideias.

A história que começa na famosa “festa na casa da Helô” e envolve figuras públicas e populares que através de muita luta, representaram um expoente para a democracia.

Toda essa narrativa se somou ao documentário que assisti ontem no Belas Artes: Tropicália, dirigido por Marcelo Machado – um recorte sobre o movimento que com a conturbada situação política, enriquecia o cenário musical, os festivais e a juventude.

De fato, as duas obras possuem semelhanças esperadas. O que eu poderia dizer é que: o livro e o filme são complementares. Gosto muito da maneira em que Zuenir começa a sua obra analisando a participação da figura feminina, uma pena eu não ter o livro aqui para reproduzir uma de suas ideias: mas é mais ou menos assim: o autor explica que a efervescência política acabou com muitos casamentos. As mulheres saiam de casa pois aquela percepção de “dona do lar”, cuidando dos filhos, começara a mudar.

Em Tropicália, fica muito claro que 1967 e 1968 foram anos conturbados, mas de certa forma, bem diferentes, uma delas é o Ato Institucional nº 5 (ainda não decretado).  A televisão já cumpria um papel de massificação e de divulgação (mas não tão evidente: nem todos acreditavam em seu poder).

A morte do estudante Edson Luiz por Ventura ficou ainda mais clara para mim no documentário. Pelo que entendi, Edson Luiz foi um espécie de mártir do movimento, o cortejo para o enterro foi seguido por milhares de pessoas. (Zuenir conta um fato interessante, ele relata que durante o caminho ao cemitério as luzes se apagaram (não se sabe se foi um boicote), e mesmo assim, as pessoas não desistiram de seguir o corpo – foram pegando jornais e fazendo tochas – que queimavam muito rápido.

 

Ainda sobre o livro: a missa de sétimo dia de Edson Luiz recebe uma descrição fantástica e chama atenção para o papel dos padres. Naquele dia a polícia cercou toda a igreja, eram mais de cem cavalos. As pessoas que estavam dentro ficaram temerosas de sair. Alguns militantes (inclusive ateus) foram a missa propositalmente, conscientes da possibilidade de  um enfrentamento. Percebendo a situação, os padres saíram na frente das pessoas, fazendo uma corrente protetora e acabaram apanhando da polícia, como muitos que ali estavam.

Sobre a passeata dos cem mil, também há um detalhe interessante: o que me chamou atenção foi a forma em que a população acabou por abraçar a causa. As pessoas jogavam objetos das sacadas das janelas para atingir os policiais.

O documentário é lindo, mais linda ainda: Gal Costa. Sabe, adoro aquela mulher, aquela voz. A minha amiga que estava comigo disse baixinho (ela é demais não é?, concordei sem nem um pingo de dúvidas). Ainda muito novinha, conta como foi a apresentação em 1968 da música “Divino Maravilhoso”, alguns aplaudiam, outros vaiavam. Ela contou que durante a apresentação um homem gritava: Fora! Fora! E ela cantava ainda mais forte, cantava para ele… e ele percebeu, se sentou: “aí, não teve jeito”.  Maria Bethênia linda, poderosa, jovem… em uma apresentação agressiva de “Carará” e os Mutantes, Rita Lee Jones, simpática como sempre e doce.

Documentário incrível, livro igualmente incrível… super indico. 🙂