A minha curiosidade sobre Rose Marie Muraro (sobre sua vida e sua obra) surgiu há muito tempo, quando peguei o finalzinho de um documentário onde ela dava um depoimento sobre feminismo. Anos se passaram até que encontrei materiais sobre ela. Nesta semana terminei “Memórias de uma mulher impossível”, uma autobiografia riquíssima, que não só conta a história da pensadora como também a contextualiza com fatos políticos, econômicos e culturais que aconteceram no Brasil.

A autora de “A sexualidade da mulher brasileira”, possui uma vida cheia de singularidades. Originou-se de uma família riquíssima, empobreceu, tinha um problema sério na visão (desde pequenininha), batalhou para sustentar os filhos e desafiou os grandes para defender o direito das mulheres. De tudo o que li, o que mais me impressionou foi sua forte ligação com a igreja católica e como, aos poucos, ela foi se desvinculando da instituição (mantendo sua espiritualidade intacta).
O livro foi escrito em 1999 e, ao mesmo tempo em que ela me soa extremamente visionária, percebo alguns conservadorismos. Já na época, a autora acreditava numa revolução comunicacional que iria aproximar as mulheres e permití-las conhecer seus direitos, esse novo estilo de comunicação (em sua concepção) faria as mulheres se aproximarem e serem mais ativas, criando novos coletivos, por exemplo. Rose faleceu em 2014, aos 83 anos, portanto acredito que tenha presenciado o avanço e a importância das redes sociais/internet e comprovado sua teoria. Encontrei certo conservadorismo em algumas afirmações sobre os homossexuais, principalmente quando ela os chama de pervertidos.

Mas, eu não a interpreto mal… tento compreender suas limitações e o pensamento vigente na época. Rose defende a homossexualidade, tem uma postura muito especial em relação aos gays e às lésbicas (a quem ela afirma serem muito mais carinhosas e delicadas em seus relacionamentos.). Inclusive ela afirma que se apaixonou e se relacionou com um homem abertamente gay e que adorava frequentar bares LGBTs.
De tudo o que ela falou, me marcou muito a maneira em que ela insiste e defende a importância do feminismo estar vinculado a luta de classes. O que pode parecer obvio, mas não é. Não adianta lutar pelo direito das mulheres sem se importar com aquelas e aqueles que são socialmente/economicamente mais desfavorecidos que nós. Já no finalzinho do livro ela também chama atenção para a importância do Feminismo Negro.

Citações
” O fim da compulsão pelo trabalho faz desmoronar a long prazo todo esse monumental edifício que é a civilização baseada na lógica criada pelo capital criada pela mente em detrimento do corpo. O corpo liberto trabalha em outro mundo, outro tipo de civilização, solidária e não competitiva. E não pode existir sem esse trabalho. Faz parte da sua natureza.”
“A androginia, a relação do amor entre homens e mulher iguais, é o antídoto à relação de dominação entre gêneros, que é a base de tudo, de toda e qualquer dominação.”
“A morte, a realidade nada vence, pode ser vencida pelo amor”
“O corpo reprimido conhece o prazer da sexualidade localizada, o corpo liberto conhece êxtase de Eros que ilumina tudo, até o trabalho, que passa a ser ação transformadora”
“Ser feminista no Brasil em 1971 não foi fácil. Ibrahim Sued escreveu um artigo me malhando, dizendo que não casava comigo porque eu era feia e lésbica, pode? Nunca passou pela cabeça dele que alguém pudesse rejeitá-lo. Ele era feíssimo, e barrigudo.”
“Nesse momento aprendi que doentes não são loucos, doente é a sociedade inteira. Porque a sociedade, ao reprimir a profundidade, faz com que todas as coisas se tornem mecânicas. As pessoas ficam obcecadas pelo trabalho, pois não tem esse contato profundo consigo mesmas que os lucos têm, ainda que de maneira quebrada. Mas tem mais do que nós. E nós, “normais”, queremos tapar esse buraco com trabalho. E é isso que alimenta o sistema. A nossa insatisfação fundamental que nada cura é o desejo do abismo.”