Uma manhã gloriosa

download

Sou muito preconceituosa com capas de livros e não teria lido este se ele não estivesse dando sopa lá em casa. Mas as coisas são loucas e parece que certas leituras caem como luva na nossa vida, de certa forma, vivo m momento muito parecido com o da personagem principal.. “Uma manhã gloriosa”, livro escrito por Diana PeterFreund e baseado no roteiro de Aline Brosh McKenna, conta a história de Becky Fuller, uma jornalista que trabalha como produtora em um programa de TV matinal e é surpreendida com uma demissão. Em busca de um nova oportunidade, ela se muda para Nova York para encarar um desafio: fazer com que o Daybreak faça sucesso. O problema é que o Daybreak é um programa de péssima audiência, com poucos equipamentos e uma equipe que não se entende. A história virou filme em 2010, protagonizado por Rachel McAdams, Diane Keaton e Harrison Ford.

Por mais que o livro apresente uma história super previsível, algo me fez gostar muito dele. Primeiro pelo senso de humor da personagem principal, de sua busca pela independência. Becky é uma mulher jovem, mas com experiência no que faz… e mesmo assim  é sempre desacreditada pelos colegas. Segundo é que, como jornalista, entendo perfeitamente como esse ambiente é estressante. Fora a correria para colocar uma matéria no ar (e uma matéria que preste), há sempre muitas brigas de ego e uma enorme cobrança. Não é fácil, não mesmo!E este livro vem para brincar um pouco com isso, tirar o pano do mundo das ilusões.

Outro detalhe que me encantou é crítica em relação as diferenças salariais entre homens e mulheres que trabalham nesse meio. No caso, a diferença entre o salário entre os dois âncoras do programa é gritante: mesmo a mulher  sendo uma profissional maravilhosa e disposta a fazer qualquer coisa. Por mais que possa abrir caminhos, o filme não se destina a tratar o tema com seriedade. Também há uma discussão muito interessante (não profunda, mas legal) sobre a relação do jornalismo e do entretenimento, do velho e do novo jornalismo, das adaptações às redes sociais e da rapidez da notícia.

Jornalismo e Literatura: Estilos combinados

A literatura e o jornalismo são inter-influentes e, antes de tudo, possuem a escrita como um instrumento comum. Existem processos fundamentais que unem o jornalismo e a literatura, como por exemplo, a possibilidade de dar corpo à mensagem, escolher termos e os sentidos que se quer transmitir ao leitor ao se relatar determinado fato. Essa aproximação se inicia na utilização de um instrumento essencial: a palavra.

A participação da literatura na imprensa não é uma novidade. Durante o século XIX, os escritores tornaram-se presentes nos jornais através de diversas publicações como contos e crônicas. No Brasil, por exemplo, José de Alencar conseguiu consolidar a carreira e adquirir visibilidade publica através do seu trabalho no Correio Mercantil e no Diário do Rio de Janeiro. Autor de “O Guarani” (1857) e “Lucíola” (1862) retratou a complexa sociedade da sua época e ocupa um importante lugar nos clássicos da literatura brasileira. Conforme explica Héris Arnt, a literatura e o jornalismo exercem influências mútuas.

Imagem

A presença dos escritores favoreceu o aparecimento de um jornal informativo e atraente, com assuntos mais variados – formato que se fixa no século XX e que existe até hoje. A literatura, em contrapartida, sofreu também influencia do jornalismo. Ligado às exigências do meio – tudo num jornal informa -, o olhar dos escritores do século XIX volta-se para as questões sociais e as agruras da vida cotidiana. (ARNT,  p.8, 2002)

Da mesma forma, conforme explica Filipe Pena (2006), Machado de Assis e Joaquim Manoel de Macedo atuaram como jornalistas e ali receberam incentivos para seguir a carreira literária. Machado de Assis atuou como cronista, escreveu peças e poesias e, através das suas obras, incentivou a reflexão sobre a realidade e sobre o cotidiano da população. Grande colaborador do jornalismo brasileiro é o autor, dentre outras obras, de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1881) e “Dom Casmurro” (1899).

       Outro autor que merece atenção é Honoré de Balzac que se destacou no jornalismo literário com publicações em folhetins que retrataram de maneira rica e detalhada seu contexto social. Balzac ofereceu um vasto conteúdo de histórias e de personagens fortemente inspirados em fatos sociais. Entre suas obras mais famosas estão “A mulher de trinta anos” (1832) e “Eugénie Grandet” (1833). 

Víctor Hugo e Charles Dickens atuaram paralelamente na literatura e no jornalismo. Com uma participação forte na política francensa, Victor Hugo publicou obras revolucionarias contra a monarquia, com o objetivo de combater a atuação de Luis Napoleão Bonaparte. Com uma extensa obra, o autor de “Os Miseráveis” (1862) exerceu importante influecia em seu país e no mundo, relatando também através de jornais, as injustiças sociais de sua época.

A presença da literatura nos jornais tornou-se marcante através dos folhetins, herança direta dos romances. Escrever para jornais não significava apenas visibilidade, mas também mais dinheiro. Os veículos aumentavam suas tiragens com os folhetins e os anunciantes mostravam-se mais interessados. As narrativas literárias facilitaram a popularização do jornal e fidelizaram os leitores. As histórias eram construídas através de texto acessível, de fácil compreensão, direcionadas a um público vasto, atingia diversas pessoas, sem distinção de classes.

De acordo com Filipe Pena (2006), características semelhantes às conhecidas telenovelas, o folhetim era escrito com uma estratégia interessante: o “plot”. Tratava-se da interrupção de um momento importante ou decisivo da narrativa que só tinha continuidade nas próximas edições. Os escritores exploravam pequenos detalhes, repetiam alguns fatos (para lembrar o público ou atualizar o leitor que não teve acesso a edição anterior) e, quando necessário, aumentavam a história ou adicionavam novos personagens para esticar o enredo e estender a trama.

O folhetim marcou a popularização dos periódicos e em países europeus contribuiu para o estímulo da população à leitura. Como os livros eram muito caros, acompanhar obras literárias semanalmente através dos jornais, tornou-se um hábito expressivo em países como França e nos Estados Unidos. No Brasil, o jornalismo literário foi um estilo que representou um avanço cultural, mas que se popularizou lentamente, pois a massa não era alfabetizada.

Os jornais sofreram transformações gráficas e adotaram, de maneira ainda mais forte, a linguagem clara e objetiva. Assim, na década de 50, a literatura diminuiu sua presença nos veículos e passou a ser encarada como um suplemento. As narrativas que atraíam os leitores dos folhetins foram perdendo espaço nos jornais, pois a preocupação com a veiculação de novidades tornou-se uma característica marcante na imprensa moderna. Os suplementos tinham função de acrescentar algo ao jornal e os escritores assumiram o desafio de combinar a qualidade dos textos com a quantidade necessária de vendas, tudo isso obedecendo às características da imprensa quanto à narrativa clara e concisa.

O surgimento dos cadernos literários nos jornais mostrou que a literatura tornou-se um complemento dos veículos. Com base na lógica do valor notícia, os cadernos literários também estavam sujeitos à utilização as técnicas e regras do discurso jornalístico. De acordo com essa lógica, o jornalismo literário se viu sujeito a acompanhar as notícias, as informações novas, que são essenciais para a imprensa moderna. Os lançamentos de mercado passaram a ter um lugar de destaque nas críticas literárias e nos suplementos, dividindo espaço com outros assuntos e aspectos valorizados como as celebridades, as fofocas e os acontecimentos inusitados.

Os escritores perceberam a importância do jornalismo e passaram a participar fortemente desse espaço público que conforme explica Filipe Pena (2006), é muito amplo. O conceito de jornalismo literário é complexo e envolve questões fundamentais para a discussão do âmbito da comunicação e da própria literatura como, por exemplo, as influencias que exercem na vida do cidadão e no cotidiano da sociedade.

Não se trata apenas de fugir das amarras da redação ou de exercitar a veia literária em um livro-reportagem. O conceito é muito mais amplo. Significa potencializar os recursos do jornalismo, ultrapassar os limites dos acontecimentos cotidianos, proporcionar visões amplas da realidade, exercer plenamente a cidadania, romper as correntes burocráticas do lide, evitar os definidores primários e, principalmente, garantir perenidade e profundidade aos relatos. (PENA, p.6, 2006)

O jornalismo literário baseia-se na utilização de recursos do jornalismo para a construção dos textos. A apuração de um assunto, a observação e o rigor ético com as informações são estratégias que continuam sendo utilizadas. A abordagem de um tema é feita de forma aprofundada, pois, assim como no jornalismo, os textos possuem um compromisso com a sociedade e com o cidadão, que é o leitor.

O jornalismo literário rompe com as amarras das redações, apresenta técnicas diferentes e não se rende a efemeridade das publicações. Não há uma preocupação com o deadline ou com a periodicidade. O escritor não está interessado em oferecer uma novidade, uma informação imediata e sim em apresentar um texto rico com uma visão completa e detalhada da realidade.

Em contraponto com a superficialidade dos textos jornalísticos, o jornalismo literário não possui um espaço tão limitado nos veículos de comunicação e por isso tem a possibilidade de contextualizar suas informações e oferecer ao leitor uma interpretação mais profunda.

Para facilitar a compreensão das principais relações que ligam o jornalismo e a literatura, Filipe Pena, autor de “Jornalismo Literário” (2006), desenvolveu vários itens através de um conjunto de temas do que chamou de estrela de sete pontas. A primeira ponta da estrela é a potencialização do jornalismo, ou seja, explica que as técnicas narrativas jornalísticas não foram ignoradas pela literatura. A segunda defende a idéia de que a literatura ultrapassa os limitar do cotidiano e da periodicidade.

Em terceiro lugar, explica que a literatura preocupa-se em contextualizar um assunto de forma mais abrangente e completa possível mesmo que o texto não passe de um recorte, uma interpretação de determinada realidade. A quarta ponta aborda o compromisso do escritor com a sociedade e da sua contribuição com a formação do cidadão.

A quinta característica evidencia o rompimento da literatura com o lead. Para o jornalismo literário não há uma obrigatoriedade de seguir o lead, uma técnica narrativa para agilizar os textos jornalísticos. As  seis questões fundamentais do lead: Quem? O quê? Como ? Onde? Quando? Por quê?,  são fórmulas importantes para guiar os jornalistas na construção de um texto e deixá-lo menos subjetivo, mas ainda assim, reducionista.

Na sexta ponta há a preocupação em recorrer a fontes que não são primárias. O autor identifica a importancia de se conseguir depoimentos de fontes comuns, ou anônimas e de evitar os definidores primários como personagens que ocupam um órgão público ou político e que sempre possuem espaço na mídia. Na sétima ponta, o autor explica que uma obras do jornalismo literário não são efêmeras, o objetivo do escritor é não cair em esquecimento.

O jornalismo e a literatura também se esbarram fora dos periódicos e se encontram em reportagens editoriais, livros-reportagem, críticas literárias, nas narrativas de não ficção e assim, se sobressaem dos limites dos gêneros e dos discursos. Essa convivência também pode ser percebida no gênero literário classificado como romance-reportagem, que se concentra na descrição dos fatos e estabelece um enredo com foco na realidade factual.

REFERÊNCIAS

ARNT, Héris. A influencia da literatura no jornalismo: o folhetim e a crônica. Editrora E-papers, Rio de Janeiro, 2002,

BIANCHIN, Neila. Romance Reportagem: onde a semelhança não é mera coincidência.  Editora da UFSC, Florianópolis, 1997.

BRANDILEONE, Ana Paula.  O Romance Reportagem: Implicações estéticas e ideológicas. Terra Roxa e Outras Terras: Revista de estudos literários, volume 19, 2010. Disponível em:  http://www.uel.br/pos/letras/terraroxa/g_pdf/vol19/TRvol19b.pdf.  Acesso em: 29 mai. 2012.

COSSON, Rildo.  Romance Reportagem, o gênero. Editora Universidade de Brasília, São Paulo, 2001.

GALENO, Alex e CASTRO, Gustavo. Jornalismo e Literatura: a sedução da palavra. Escritoras Editora, São Paulo, 2002

 LIMA, Edvaldo Pereira. Páginas Ampliadas: o livro-reportagem como extensão do jornalismo e da literatura, Editora Manole, São Paulo, 2004.

 PENA, Filipe. Jornalismo Literário, Editora Contexto, São Paulo, 2006.

 

A Mulher que escreveu a bíblia

A publicação de hoje é especial, porque é a primeira vez em que faço um podcast para o La Amora.  Estou me aventurando no campo da edição e vocês vão reparar que o áudio está meio picotado… De qualquer forma, vou continuar treinando e espero “chegar lá” um dia. O Podcast está linkado aí embaixo e é só clicar no play para ouvir a minha voz.

Segundo os anciãos, Deus criara primeiro o homem a partir do barro. Eu não tinha nenhuma objeção a essa humilde matéria-prima. Mas por que o homem primeiro, e não a mulher? E por que tinha a mulher sido criada de maneira diferente? A história da costela me parecia tola, para dizer no mínimo, ou talvez, até uma afronta, considerando a modéstia dessa peça anatômica. Decidi corrigir tais equívocos mobilizando para isso as minhas próprias fantasias. Criados, o primeiro homem e a primeira mulher enamoram-se loucamente um do outro, e aí transformam o Éden num cenário de arrebatadora paixão. Fodem por toda a parte, na grama, na areia, à sombra das árvores, junto aos rios. Fodem sem parar, como se a eternidade precedendo a criação nada mais contivesse que a paixão deles sob forma de energia tremendamente concentrada. O encontro dos dois era, portanto, uma espécie de Big Bang do sexo, muito Bing e muito Bang.”

ImagemEla era feia, mas escreveu o livro mais famoso do mundo.

Ela escreveu a Bíblia.

A mulher que escreveu a Bíblia, livro escrito por Moacyr Scliar e lançado em 1999, é um daquelas narrativas imperdíveis, que a gente lê rapidinho e pede por mais.  Scliar tem um desempenho invejável, consegue balancear humor e o drama sem complicação.

Além de apresentar um texto simples, Scliar mistura a linguagem coloquial e a linguagem erudita sem nenhum medo. Ele também brinca com o sagrado e o profano de maneira corajosa, sem rodeios. A personagem principal, que aliás, não tem nome, é uma mulher encantadora, inteligente e sagaz. Infelizmente, em seu contexto, ela é feia, feia que dói e essa característica física causa grandes transformações em sua vida. O engraçado é que ela tem um instinto sexual muito grande, mas não consegue satisfazê-lo por que não encontra um companheiro que corresponda seus desejos, que “apague o seu fogo”.

A história se passa no século X (a.C.) e relata o caso de uma mulher, filha do chefe de uma vila, que descobre acidentalmente que é muito feia. Por uma boa ação de um senhor que vivia no local, ela aprende a escrever. Sem nenhum pretendente, ela passa a frequentar uma montanha onde conhece um pastorzinho e se apaixona por ele. Infelizmente esse pastor tem um caso com a sua irmã, o que abala ainda mais a sua autoconfiança. Um dia, surpreendentemente, o Rei Salomão a pede em casamento.  Ela não nega e encantada com a ideia, muda-se para o harém do palácio onde convive com outras setecentas mulheres. Ela tenta se aproximar do rei, mas ele não sente nenhum desejo por ela, o fato de tê-la como esposa era por puro interesse: queria que ela escrevesse um livro, uma obra tão impressionante, que marcasse a humanidade.

O Clube do Filme

David Gilmour é um crítico de cinema desempregado. Seu filho, Jesse, de apenas quinze anos, não vai bem na escola e recebe sucessivas reprovações.  Preocupado, David permite que Jesse largue a escola contanto que assista com ele – semanalmente – clássicos do cinema.  Juntos, pai e filho criam o “Clube do filme” e passam dias assistindo e comentando produções famosas como O Poderoso Chefão, A doce Vida, Uma Rua Chamada Pecado, Ladrões de Bicicletas, Tio Vânia Em Nova York (…). 

A história é sincera e envolvente, mais do que uma trama sobre pessoas que gostam de cinema, “O clube do filme” retrata a complexidade das relações humanas e familiares. Gilmour, que parece despretensioso, deixa bem claro que como pai, está sujeito a erros e acertos. Com essa convicção,  tenta fazer com que o filho perceba que amadurecer (seja amorosamente ou financeiramente) envolve um processo muito mais complicado do que ele imagina.

Imagem“Indicar filmes às pessoas é um negócio arriscado. De certa forma, é algo tão revelador quanto escrever uma carta para alguém. Mostra como você pensa, aquilo que o motiva, e algumas vezes pode mostrar como você acha que o mundo o enxerga. Então, quando você recomenda com entusiasmo um filme a um amigo, e diz: “Ah, é bom demais, você vai adorar”, é uma experiência desconcertante quando você o encontra no dia seguinte e ele diz: “Você achou aquilo engraçado?”
 

Um livro para cinéfilos?

Li “O Clube do filme” aos pouquinhos, marcando e voltando em passagens (ou em dicas) que me pareciam interessantes. Percebi que existe uma gama de clássicos que desconheço e que preciso assistir urgentemente. De fato, foi isso que me prendeu ao livro, Gilmour citava um filme e comentava sobre a impressão que teve dele. Mesmo com comentários superficiais, ele conseguia me deixar curiosa para saber mais.

Em algumas passagens, por exemplo, o autor diz que poucas pessoas prestam atenção na beleza do poema final do velho em “A noite do Iguana” (de John Huston). Que existiu uma época em que Woody Allen só filmava filmes maravilhosos, como Crimes e Pecados (de 1989). Que a Lolita de 1997 criada por Adrian Lyne é muito melhor do que a de 1962 criada por Stanley Kubrick. Que Marlon Brando quase foi escalado para o papel do padre em O Exorcista, que Quentin Tarantino passou mais de cinco anos tentando vender o seu primeiro roteiro (…)

Por isso mesmo, acho que, apesar da história principal se basear na relação entre pai e filho (e não ter sido explorada suficientemente, talvez por não ter tanto espaço naquele contexto), o livro é direcionado a pessoas que gostam de cinema ou que, pelo menos, conhecem nomes de atores e diretores. Outra coisa divertida da história é que David e Jesse categorizam os tipos de filmes como: “Prazeres Culpados” (filmes ruins, mas que a gente adora) ou ” Filmes Superestimados”.

P.S. Sobre a relação entre pai e filho, uns aspectos me incomodaram um pouco. David pareceu passivo demais, enquanto Jesse fazia burrada atrás de burrada, sem receber punições. “Pai, usei cocaína ontem”. “Tudo bem filho, se você o fizer de novo, não assistiremos mais filmes juntos”… (WTF?!)

Para quem participa do Filmow, existe uma lista com os filmes citados no livro, onde você pode marcar quais já assistiu e quais pretende assistir:

Logo_Filmow

O Guia Politicamente Incorreto da História do Mundo

Finalmente eu terminei de ler o “Guia Politicamente Incorreto da História do Mundo”, o quarto livro da série escrita pelo jornalista Leandro Narloch [já estou com os outros aqui em casa, prontinhos para serem devorados]. Com um texto dinâmico, irônico e bem humorado, Narloch desconstrói e contesta diversos mitos que foram criados ao longo do tempo e passados de geração a geração. O autor também desmistifica alguns personagens históricos (como Gandhi, Madre Teresa de Calcutá, Nero, Hitler, Galileu, Mussolini…) e traz a tona curiosidades sobre eles.

O interessante é que Narloch não vem para esclarecer nada, pelo contrário, já é de se esperar que o leitor termine cada capítulo repleto de dúvidas, se questionando sobre as antigas aulas de história que teve durante a época do colégio. Sempre achei que toda história depende da perspectiva de quem a conta e o “Guia Politicamente Incorreto da História do Mundo” vem para provar isso (não é a toa que tenha gerado tanta polêmica quando lançado, muitos historiadores/estudiosos (…) contestaram as informações do livro e chegaram a chamar o autor de oportunista).

ImagemO fato é que qualquer pessoa (com um conhecimento mínimo em história) tem potencialidade para se tornar leitor desse livro. Sem duvidas este é um livro que  traz uma coleção de informações super bacanas para quem se interessa em saber o “outro lado” da moeda. Um aspecto interessante é que Narloch, apresenta uma forte oposição ao esquerdismo, isso fica claro desde o inicinho do livro e fica mais evidente ainda quando ele faz uma comparação entre o nazismo e os partidos de esquerda. E ao que tudo indica, Narloch repudia o comunismo. – Não sei, mas foi essa a impressão que me deu.

Os personagens foram bem escolhidos e a cronologia devidamente exposta. Narloch começa seu livro na Grécia Antiga e afirma (dentre outras coisas) que não foi Nero que colocou fogo em Roma. Em relação a Idade Média, três aspectos me chamaram atenção: de acordo com o autor o desejo sexual não era reprimido, as pessoas estavam acostumadas com a nudez, com a prostituição e com o incesto e as mulheres não usavam cinto de castidade – “o cinto de castidade está para a Idade Média assim como a loira do banheiro e as balas de cocaína estão para os anos 80″.

Além de dizer que os samurais eram bêbados e um bando de fofoqueiros, de evidenciar que muitos deles tinham relações homossexuais, de dizer que os agrotóxicos praticamente salvaram milhões da fome e dizer que não foram os europeus que destruíram a África, o autor destrói duas das figuras mais amadas e influentes do mundo contemporâneo: Madre Teresa de Calcutá e Ghandi.

Gosto muito desses capítulos. Não sei muito sobre a vida de Ghandi (a quem o autor chama de “canastrão” ou da Madre Teresa, mas desconfio de bondade humana em excesso e também tenho um pé atrás em relação a adorações exageradas. Em O Guia Narloch afirma que Ghandi era  um pervertido sexual, que dormia nu com diversas mulheres para provar resistência (ou simplesmente por fetichismo). Segund o livro, Ghandi era gay, não gostava de negros e aumentou a miséria na Índia. Em relação a Madre Teresa, a “freira sádica” ele diz o seguinte:

Madre Teresa de Calcutá não era nenhuma madre-teresa. A defensora dos oprimidos e moribundos, o sinônimo do que há de bondade no mundo, não se importava em tratar os doentes sob seus cuidados e costumava negar a eles remédios para aliviar a dor.  Assim como Gandhi, Madre Teresa defendia a austeridade e a pobreza como objetivo de vida. Dizia que a dor aproximava os doentes de Deus. Durante uma entrevista para um canal de TV, perguntaram a ela por que deixar os moribundos sentir tanta dor e agonia. Ao responder, ela descreveu um diálogo com uma mulher que tinha câncer terminal e sofria uma dor insuportável. Dando um sorriso para a câmera, a madre contou ter dito: “Você está sofrendo como Cristo na cruz. Então Jesus deve estar te beijando”. Sem se dar conta da ironia da situação, Madre Teresa revelou a resposta da paciente: – Então, por favor, peça para Jesus parar de me beijar

Holocausto Brasileiro

Holocausto Brasileiro é um livro fantástico, de importância histórica e de admirável trabalho jornalístico. Realizado por Daniela Arbex, o livro relembra a terrível história do Hospital Colônia, um hospício que funcionou durante décadas e fez mais de 60 mil vítimas (pacientes que foram violentados, torturados e privados de sua liberdade).

O Hospital Colônia foi fundado em 1903 em Barbacena, Minas Gerais. A instituição, que atendia diversos casos psiquiátricos em todo o estado serviu de palco para uma das mais assustadoras histórias que envolvem o serviço nacional de saúde pública. Comparado a um campo de concentração nazista, o “Colônia” existiu por mais de oitenta anos e foi mantido não só pelo estado como também pela igreja católica.

dica-leitura-caos-holocausto-brasileiro-banner-featuredOs pacientes chegavam em grandes vagões de carga conhecidos como “Trem Doido”, eram exibidos aos moradores que se reuniam para ver (e para  fazer chacota) dos doentes. Quando entravam na instituição, tinham seus cabelos raspados e eram despidos, muitos perdiam a identidade, a família e a dignidade. O processo de internação era absurdo, totalmente arbitrário. Uma mulher foi internada porque era triste demais, outra porque engravidara do patrão, um garoto foi internado porque era muito tímido…

O Colônia servia para “esconder” a escória da sociedade, as pessoas que a autora chama de “invisíveis”. E eram mesmo, não tinham nome, nem voz, eram excluídos porque não se adaptaram a sociedade. Muitos foram internados (ou presos) porque eram homossexuais e de acordo com a autora, cerca de 70% dos pacientes não tinham diagnostico de doença mental.  Crianças e adultos eram enclausurados nas mesmas celas, dormiam em camas sem colchão (usavam capim, repleto de urina e fezes), bebiam água de esgoto, comiam ratos e morcegos, sofriam lobotomia e levavam eletrochoques (por funcionários inexperientes), eram dopados, impedidos de  sair do hospital (quer dizer, só saiam mortos de lá).

ImagemEm princípio, pouco tempo antes de ler o livro e conhecer a história em sua complexidade, eu achava que o título “Holocausto Brasileiro” banalizava e não fazia jus ao termo.  Depois que li e reli a obra, não restaram dúvidas de que esse título é perfeito, tanto pelas barbaridades cometidas no Colônia quanto pelo número de vítimas.

É engraçado porque é justamente com essa percepção que Daniela Arbex inicia o prefácio, talvez adivinhando a reação dos leitores: “As palavras sofrem com a banalização. Quando abusadas pelo nosso despudor, são roubadas do sentido. Holocausto é uma palavra assim. Em geral soa como exagero quando aplicado a algo além do assassinato em massa dos judeus pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial. Neste livro, porém, seu uso é preciso”  – Aliás, a comparação do hospital a um campo de concentração nazista não surgiu da escritora e sim do psiquiatra italiano Franco Basaglia, que em 1979 visitou a instituição e se horrorizou com o que viu.

ImagemFiquei chocada quando terminei de ler, um pouco assustada em relação a capacidade humana de ser e fazer “mal” – mais do que isso, de se silenciar diante de uma situação como essa, afinal, onde estavam os governantes, os vizinhos e as famílias que tinha conhecimento do estado dessas ‘vítimas’ e não faziam nada?

Em 1979, quando o muro do Colônia começava a cair e o “horror” chamava a atenção da opinião pública, o diretor mineiro Helvécio Ratton entrou no hospício e documentou a situação. O documentário “Em nome da razão – Um filme sobre os porões da loucura” foi todo filmado em preto e branco, sem nenhum tipo de trilha sonora. Confira!

[Depois de ler o livro, a impressão que tive foi que a Daniela Arbex não impressiona muito como narradora, apesar da história extremamente chocante, há aspectos textuais que deixam a desejar. É evidente que seu trabalho jornalístico – como citei acima – foi bem feito e exaustivo, ela fez o que manda a cartilha: entrevistas, apuração (…) Mas também usou e abusou de um texto romantizado e deixou algumas lacunas.]

História de Mulheres

Imagem
Frida Kahlo por Aleya Moreno

Durante algumas semanas uma querida amiga da faculdade, insistiu para que eu procurasse um livro da jornalista espanhola Rosa Montero. Ela passava os dias falando sobre “A louca da casa”, obra que Motero escreveu em 2003. Eu, atolada com os trabalhos do fim do semestre, acabei me esquecendo da autora.

Há um mês fui convidada a participar de um grupo de trocas. Ofereci um DVD da Elis Regina e pedi um livro. Por ironia do destino, recebi “Historia de Mulheres”, publicado em 1995 – uma coletânea de 16 pequenas biografias de personalidades femininas. Comecei a lê-lo sem interesse, sem nem me dar conta de que a autora  era a “tal” jornalista que a minha amiga tanto falava. Devorei as páginas em uma semana e fui pega por um êxtase de admiração e curiosidade. É duro admitir, mas fiquei com inveja da capacidade textual da Rosa Montero, que escreve maravilhosamente bem e tem um trabalho jornalístico impecável.

Logo na introdução, Montero reconhece que listas são excludentes e que a escolha de dezesseis biografias fatalmente deixam de fora outras mulheres com histórias tão admiráveis quanto as que foram narradas. Com um trabalho extenso, quase visceral, Montero passou dias e noites analisando documentos, lendo bibliografias e fazendo entrevistas. O livro é, na verdade, a reunião da série de textos – um pouco mais extensos, que Montero publicou no jornal El País.

Simone de Beauvoir
Simone de Beauvoir

Montero questiona o papel secundário que foi dado a mulher na sociedade e perpassa pelas diferenciações hierárquicas entre os sexos. Através de uma dimensão histórica (desde o início dos tempos, com a criação de Adão e Eva) a autora relembra mulheres surpreendentes que, de uma forma ou de outra, acabaram esquecidas pela história:

“Mais fascinante ainda é a história de Lilith. A tradição judaica conta que Eva não foi a primeira mulher de Adão, pois antes existiu Lilith. E essa Lilith quis ser igual ao homem: indignava-se, por exemplo, de ser forçada a fazer amor embaixo de Adão, uma postura que lhe parecia humilhante, e reclamava os mesmo direitos do varão. Adão, aproveitando-se de sua maior força física, tentou obrigá-la a obedecer, mas então Lilith o abandonou.  Foi a primeira feminista da Criaçao, mas suas moderadas reivindicações eram certamente inadmissíveis para o deus patriarcal da época, o qual transformou Lilith numa diaba matadora de crianças e condenou-a a padecer a morte de cem de seus filhos a cada dia, horrendo castigo que emblemiza à perfeição o poder do macho sobre a fêmea.”

Camille Claudel
Camille Claudel

As biografias são romantizadas, coisa que Montero faz muito bem. Em “A eterna fugitiva”, Montero narra a história de Agatha Christie e conta detalhes curiosos sobre a escritora. Christie não gostava de tirar fotografias, principalmente depois que fez quarenta anos e engordou muitíssimo. Preocupada com a aparência, a escritora não gostava de aparecer sorrindo nas fotos: tinha os dentes podres. Em 3 de dezembro de 1926, Agatha desapareceu. Traumatizada com a morte da mãe e com a traição do marido, simplesmente sumiu sem deixar pistas. Foi encontrada onze dias depois em um hotel, tinha perdido completamente a memória (“escapado de sí”). Nos fins dos dias, foi perdendo completamente o juízo, falava coisas sem nexo e cortava mechas do próprio cabelo – e que tanto se orgulhava.

Outra figura interessante é a Lady Ottoline Morrell uma britânica milionária que era “alta, tinha cara de cavalo e cabelo de fogo”. Durante grande parte da vida, Ottoline dedicou-se a um salão artístico por onde passaram figuras conhecidas como Virginia Woolf, Lytton Stratchey, Henry James, T.S. Elliot, Charles Chaplin e Bernard Shaw. Apesar de ser mecenas, apoiar e financiar artistas, Ottoline Morrell era quase sempre ridicularizada por eles. Aos 55 anos teve um câncer na mandíbula que a deixou desfigurada. Não bastasse, perdeu todo o dinheiro com as festas que oferecia aos artistas e descobriu as zombarias que faziam dela.

Montero afirma que apesar de sua fama de ‘aristocrata horrorosa e extravagante’, Ottoline – quando jovem – não era feia coisa nenhuma: “ É inquietante que essa mulher que foi uma das mais famosas beldades de sua época, acabe transformada, na velhice, no próprio simbolo da feiura e patetice” Mesmo depois do câncer (e das terríveis dores que sofria), Ottoline aguentou as humilhações e sofrimentos e continuou recebendo artistas em sua residência – só que de uma forma mais modesta. Morreu aos 64 anos, vitima dos estragos da doença e do tempo.

Agatha Christie
Agatha Christie

De todas as histórias, a que mais me chamou atenção foi a da Aurora Rodríguez, que nasceu em El Ferrol por volta de 1880. Uma de suas irmãs solteiras teve um filho, o abandonou e foi para Paris. Aurora o criou e incentivou seus estudos de música. O garoto, chamado Pepito Arriola tornou-se um menino prodígio e aos oito anos já era um sucesso internacional. Sua mãe, voltou de Paris e o levou embora, “coisa que Aurora não pôde perdoar”.

Aurora, que era uma mulher lunática e paranoica, planejou uma gravidez. Com astúcia procurou um progenitor: um padre aventureiro chamado Alberto Pallás. Em 1914 deu a luz a Hildegart (nome que significa “Jardim de Sabedoria”) e logo tratou de incitar-lhe aos estudos. “Quando Hildegart nasceu, Aurora começou a treiná-la desde o primeiro dia, como quem destra um animal. Antes de completar três anos, Hilde falava e escrevia corretamente, aos oito dominava quatro idiomas e era versada em filosofia e temas de educação sexual. Aos quatorze escrevia artigos para El Socialista e nessa época já se tornara famosa”.

Hilde concluiu a faculdade de direito aos 17 anos e aos 18 cursava medicina. Recebeu um convite de Havellock Ellis para ir a Inglaterra e aceitou. Sua mãe, possessiva e enciumada, a torturava psicologicamente e implorava para que ela ficasse. “Aurora sentia que a criatura lhe escapara, paranoica, considerava que Havellock Ellis fosse um espião que queria perverter sua filha”.  Três dias antes da data de partida, Aurora passou a noite velando ao pé da cama da filha vendo-a dormir e quando já estava clareando disparou-lhe quatro tiros a queima roupa, um na cabeça e três no peito que a mataram na hora. No julgamento Aurora afirmou que essa tinha sido a sua mais bela obra: “É muito mais penoso matar uma filha do que pari-la, de parir, todas as mulheres são capazes, mas de matar seus filhos não”.

Aurora e Hildegart Rodríguez
Aurora e Hildegart Rodríguez

Eu acho que eu poderia passar o resto do dia, da semana ou do mês falando desse livro. Mas, reconheço que esse texto já está maior do que devia. Só pra constar, a Rosa Montero também fala sobre: Mary Wollstonecraft, Zenobia Camprubí, Almaa Mahler, María Lejárraga, Laura Riding, George Sand, Isabelle Eberhardt, Margareth Mead, Camille Claudel, Irmãs Bronté e Irene de Constantinopla.

E pra terminar, separei umas frases do livro que eu mais gostei:

– “Todos carregamos dentro de nós nossa própria morte, toda vida é ir desvivendo”.

– sobre a Frida Kahlo: “Frida era muito bonita. Ou mais do que bonita, era tremenda. Tinha olhos ferozes e maravilhosos, boca perfeita sobrecenho hersuto, bigode apreciável. Certa vez ela o raspou e Diego ficou furioso: de algum modo os atributos sexuais dos dois eram trocados, porque ele tinha grandes peitos de mulher que a encantavam”

– sobre Margaret Mead: ” Seria cabível perguntar-se o porquê de uma mudança tão notável: as causas ocultas, o que aconteceu com ela por dentro. Há pessoas que, com o transcorrer da vida simplesmente envelhecem, outras, mais sábias ou afortunadas, vão amadurecendo. Outras, ao contrário apodrecem e outras ainda, enfim, se desbaratam, e todos esses processos têm frequentemente um claro reflexo no aspecto físico”

BIBLIOGRAFIA: Montero, Rosa, 1951 – História de Mulheres/ Rosa Montero / tradução Joana Angélica d’Avila Melo – Rio de Janeiro: PocketOuro, 2009.

 

As origens do fotojornalismo no Brasil

Ontem eu fui à faculdade e descobri que a professora tinha cancelado a aula. Pra não perder a viagem fui para o centro de Belo Horizonte e como de costume, passei no Centro de Arte Contemporânea e Fotografia (que fica ali pertinho da Praça Sete).

Me deparei com uma das exposições mais interessantes que eu já vi nos últimos tempos e que me prendeu por horas: ‘As origens do fotojornalismo no Brasil – um olhar sobre O Cruzeiro, 194/1960′ traz uma retrospectiva de importantes imagens jornalísticas, sugere uma  reflexão sobre o papel ético do fotógrafo e nos ajuda a perceber inúmeras mudanças ocasionadas pela era digital.

É claro que a exposição condiz com meus interesses acadêmicos já que sou estudante de jornalismo, mas o que eu vi foi uma reconstrução de uma parcela importante do país (tanto cultural, quanto política) que com certeza agradará públicos diversos.

O Cruzeiro, Revista

Antes de qualquer coisa, queria fazer duas observações: A primeira é que o ‘La Amora’ completa um ano hoje! E a outra é que quero pedir que não reparem na qualidade das fotos porque elas foram tiradas pelo celular.

Um dos focos da exposição é ‘O Cruzeiro’, uma revista semanal que foi criada no Rio de Janeiro e que teve sua primeira publicação em 10 de novembro de 1928. Logo quando cheguei, me sentei e fui ver um pequeno documentário sobre a revista, onde Flavio Damn e Luiz Carlos Barreto (fotojornalistas) contavam algumas curiosidades. No início as imagens era basicamente colocas por tesoura e cola, como não existia o acesso a informação como hoje, os jornalistas pegavam imagens de outras revistas (como da Life, por exemplo) e colocavam em suas matérias sem se preocupar com referências autorais. Aos poucos os diretores (entre eles, Assis Chateaubriand) perceberam a importância do repórter fotógrafo e foi só assim que as fotografias deixaram de ser apenas uma imagem solta e passaram a ter uma função narrativa.

Barreto também contou que normalmente as capas traziam atrizes e estrelas de Hollywood, as conhecidas ‘Cover Girls’, até que em 1962 ele se encontrou com Glauber Rocha e pediu para fotografar a sua mulher (Helena Ignez) e sua amiga, uma modelo negra. A foto foi aceita pelo editor e pela primeira vez uma mulher negra foi capa de revista no Brasil.

Cover Girl

Cover Girl

Damn comenta que não havia limites de ordem financeira e por isso, os fotojornalistas tinham muita liberdade. Uma de suas principais inspirações foi a revista Life, que trazia fotografias de guerra (de fotógrafos conhecidos como Cornell Capa e Brian Smith), portanto eles queriam fazer mais, a aventura e o jornalismo estavam diretamente ligados, foi assim que começaram a fotografar personagens que estavam a margem da sociedade, os negros, os índios, o pobre e os doentes.

O crescimento da revista se deu entre 1940 e 1950 através de um reflexo da formação de uma cultura de massa e da ascensão da publicidade. Em um dos vídeos expostos, comenta-se o medo que os editores tinham da TV, eles temiam (como de fato aconteceu) perder espaço. ‘O Cruzeiro’, no entanto, assumiu duas missões importantes: a primeira foi a de explicar ao público como a TV funcionava e a segunda a de promover especificamente o novo empreendimento do Diário dos Associados, que foi a primeira estação de TV da América do Sul.

o cruzeiroo cruzeiro carmen

Uma das partes que eu mais gostei, sem dúvidas, foi quando exploraram a cobertura da revista sobre a vida da cantora Carmen Miranda, já no auge da carreira. Algumas das matérias ficaram disponíveis e deu para ver o tom e o espaço que deram a polêmica de que ela estava americanizada. Duas delas, uma de 09/10/1948 e a outra de 13/11/1948, registram a gravidez e o aborto que Carmen sofreu. Outra parte que me chamou a atenção foi o registro que a revista deu a morte do então presidente, Getúlio Vargas. A narrativa é quase literária, onde eles descrevem com riqueza, a tristeza da família, a descoberta do corpo e o velório. Vargas, aliás, tinha uma relação de amor e ódio com ‘O Cruzeiro’, foi ele que investiu para a criação de uma revista de circulação nacional e quando se desentendia com Assis Chateaubriand precisava engolir as matérias que não lhe era favorável.

Bom, eu me excedi né?… escrevi muito, mas pode ter certeza que há mais a descobrir na exposição. Além das revistas digitalizadas, podemos ver o trabalho experimental dos fotógrafos, os ‘fait divers’, os casos policiais (como ‘O crime de Sacopã) que eram publicados em formato de novela, as sessões de moda, as coberturas de guerra e muito mais. A exposição vai até o dia 17 de novembro.

CarMEN mIRANDA

CAM00008
As Origens do Fotojornalismo – Um Olhar Sobre O Cruzeiro, 1940-1960.
11 de Setembro a 17 de Novembro
Terça a Sábado, 9h30h às 21h / domingo, 16h às 21h
Centro de Arte Contemporânea e Fotogradia
Av. Afonso Pena, 737 –  Centro (Praça Sete), Belo Horizonte.
Entrada Gratuita, telefone: 32367400

O sequestro do ônibus 174, uma releitura sobre o choque do real

Em uma das reflexões iniciais de “O choque do real e a experiência urbana” Beatriz Jaguaribe afirma que a cidade (repleta de lixo, becos e fervilhantes atividades) é também cenário para a presença de novas tecnologias e meios de comunicação onde as pessoas são minadas por uma cultura do medo.

Diferente do que se imagina a “cultura do medo” não é experimentada empiricamente. Para a autora, a maioria dos cidadãos experimentam o medo (assaltos, roubos e violações) através da divulgação fílmica ou literária e todo o discurso e construção midiática influencia na criação de uma estética sobre a retratação da violência social.

onibus 174

Segundo Jaguaribe o choque do real pode ser entendido como a tentativa de provocar um efeito catártico no espectador ou leitor. Portanto a principal finalidade dessa estratégia é criar um incômodo, provocar espanto, atiçar a denuncia social e aguçar o sentimento crítico. Um aspecto importante é que o impacto não é necessariamente extraordinário, mas é exacerbado e intensificado. O real, por sua vez é como uma releitura ou uma representação do fato ao que Jaguaribe define: “o real é a existência de um mundo que independem de nós, a realidade social, em contraste, é uma fatia do real que foi culturalmente engendrada, processada e fabricada por uma variedade de discursos, perspectivas dialógicas e pontos de vista contraditórios”.

O conceito do choque do real e sua finalidade ajuda-nos a entender sua presença nos diversos meios de comunicação de massa (como a reportagem jornalística, o fotojornalismo e o cinema). As narrativas fílmicas (inclusive nos documentários) atendem ao que a autora chama de usar a verossimilhança e intensificação do real. Para ela, é comum observar a organização da narrativa para lhe dar mais fluxo e continuidade.

É importante ressaltar aqui uma observação realizada por Bill Nichols em referência aos documentários. Segundo Nichols o documentário se apoia muito menos na continuidade para dar credibilidade ao mundo a que se refere do que o filme de ficção. Percebe-se que muitas produções estão debruçadas sobre o que ele chama de montagem de evidência: “Em vez de organizar os cortes para dar a sensação de tempo e espaço únicos, unificados em que seguimos as ações dos personagens principais, a montagem de evidencia organiza-os dentro da cena de modo que se dê a impressão de um argumento único, convincente e sustentado por uma lógica”

Ônibus 174:

O sequestro ao ônibus 174 ocorreu em 12 de Junho de 2000 no bairro Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Sandro do Nascimento (então com 22 anos) invadiu o ônibus com um revolver calibre 38 com o objetivo de assaltar os passageiros. Impedido pela polícia militar, Sandro inicia um sequestro que duraria cinco horas. Toda a ação foi acompanhada e amplamente divulgada pela mídia. Dois anos depois, o episódio que marcou o povo brasileiro, foi tema para o documentário dirigido por José Padilha e Felipe Lacerda.

ônibus 174O documentário se propõe a recontar o caso através de entrevistas com os passageiros, com a polícia e com a imprensa. A produção também busca oferecer uma explicação para o episódio através de um estudo biográfico de Sandro (nele, por exemplo, temos conhecimento de que Sandro é um sobrevivente do Massacre da Candelária, que sua mãe foi assassinada quando ele ainda era muito pequeno e que sua condição marginalizada o levou a inúmeras prisões).

Sandro nasceu em 1978 e foi criado pela mãe até os seis anos (quando ela, grávida, foi assassinada na sua frente). Adotou o apelido de ‘Mancha’ e passou a ser morador de rua (viciou-se em drogas, nunca aprendeu a ler ou escrever e Sequestro onibus 174teve inúmeras passagens em instituições de jovens delinquentes).  Seus únicos contatos familiares (com forte alusão a figura materna) foram: sua tia Julieta, a assistente social Yvone Bezerra e a mãe Dona Elza da Silva. O sequestro ao ônibus 174 ocorreu em Junho. Sandro fez 11 pessoas de reféns. Após o sequestro (que resultou na morte da estudante Geisa), Sandro foi imobilizado pela Polícia e morreu asfixiado na viatura.

Há muitos aspectos que chamam atenção sobre o caso do ônibus 174 e Jaguaribe sabiamente destaca um deles: “o revelador e o inusitado do sequestro ao ônibus não é a trajetória terrível de Sandro. Não é a morte absurda da jovem Geisa, nem a espantosa incompetência da polícia e das autoridades, nem mesmo a condição execrável das prisões no Brasil. O que marca singularmente o episódio é a sua completa visibilidade midiática que fez com que esses terríveis ingredientes ganhassem projeção diante as câmeras”.

O documentário e o filme sobre o caso 174 adéquam-se ao que a autora chama de tradição do naturalismo e brutalismo, afinal, contam a história do “realismo sujo das ruas”, retratam a violência em situações limites e ilustram a precariedade e marginalização das classes mais baixas. É interessante observar que a mídia visual possui mais força do que a escrita – comprovado no que presenciamos com o sequestro: o espetáculo, a abundância de informações e uma incansável repetição. O que nos leva a questionar a função da mídia nesses acontecimentos… Apesar de romper com a causalidade e oferecer uma experiência intensa ao espectador (principalmente através da tragédia) o choque é silenciado pela banalidade.

Para a autora, a atitude blasé se justifica pelo medo. As pessoas, embora atentas ao entretenimento, temem que esse choque seja transferido para sua particularidade.  Todo esse cenário funciona como um efeito cíclico, o espectador tem medo, mas procura tais emoções para revitalizar seu cotidiano entediante, a mídia por outro lado, cria o imaginário do risco e depende da circulação da narrativa sobre a violência. Ou seja, o contado do espectador com a metrópole, resume-se em voyeurismo.

onibus-174“O boom de biografias, livros de reportagem, documentários, filmes e narrativas realistas não é uma novidade para o público brasileiro, mas o que marca a produção recente é o forte apelo ao retrato da realidade em fase da violência urbana.”

A atitude blasé é muito bem ilustrada através do documentário sobre o ônibus 174 na entrevista com o sociólogo Luís Eduardo Soares:

“Esse Sandro é um exemplo dos meninos invisíveis que eventualmente emergem e tomam a cena e nos confrontam com a sua violência que é um grito desesperado e impotente. A nossa incapacidade de lhe dar com nossos dramas: com a exclusão social, com o racismo. Nos aprendemos a viver tranquilamente com os Sandros, com as tragédias e com os filhos das tragédias. Isso se converteu em parte do nosso cotidiano. A grande luta desses meninos é contra a invisibilidade. Nos não somos ninguém e nada se alguém não nos olha e nos reconhece, nos dá valor, não preza nossa existência, não devolve a nos a nossa imagem ungida de algum brilho, de alguma vitalidade ou reconhecimento. Esses meninos (de rua) estão famintos de existência social. Um menino negro, pobre, transita invisível pelas ruas brasileiras. Há duas maneiras de se produzir invisibilidade: esse menino é invisível porque nós não o vemos, nos negligenciamos a sua presença. Ou porque projetamos sobre ele um estigma, uma caricatura, um preconceito  .”

Para Beatriz Jaguaribe é importante observar que apesar dessa falta de atitude dos espectadores e cidadãos não há uma divisória rígida nem uma cultura do apartheid. Distintas realidades entram em conflito na metrópole, são confrontos acirradamente desiguais, violentamente injustas, altamente discriminatórias quanto ao gênero, raça e cor. Há uma troca, uma hibridação contínua de símbolos e culturas.

Por uma estética da imagem e do vídeo

TV Cello, de Nam June PaikNo terceiro capítulo do livro ‘Cinema, Vídeo, Godard’, Philippe Dubois realiza uma profunda reflexão sobre a identidade do vídeo. De acordo com o autor, o vídeo é um sistema de imagens que surgiu entre o cinema (que o precedeu) e o infográfico (que o superou) . Apesar da importância, o vídeo possui um problema complexo pois é um “pequeno objeto” mal determinado. Os únicos terrenos em que foi verdadeiramente explorado foram no meio artístico (através da videoarte) e na intimidade particular (nos vídeos caseiros e familiares).

Para Dubois, o próprio nome (o termo “vídeo”), carrega consigo uma ambiguidade já que constantemente é usado como um sufixo, ou seja, como um complemento (ex: videogame, videocassete) e não como um fixo. O termo parece paradoxal e precisa de uma especificidade. Em latim video significa “eu vejo”, portanto é um verbo genérico que engloba todas as artes visuais. ‘Video é o ato do olhar’ e apesar de não ter um corpo próprio, ele é o fundador de todos os outros corpos que perpassam pela imagem.

A ambiguidade do vídeo está presente em sua própria natureza. Quando nos referimos a ele é difícil definir do que exatamente estamos falando (um meio de comunicação ou uma arte?, uma imagem ou um dispositivo?, uma técnica ou uma linguagem?). Dubois afirma que o vídeo é da ordem da imagem, que possui uma linguagem relativamente conhecida e uma identidade mais ou menos assumida. Porém é importante observar que o vídeo também é um sistema de circulação de informações e de conteúdo, independente do resultado visual. Para o autor, essa natureza paradoxal não é uma deficiência e sim uma força.

Nos discursos sobre o vídeo é comum importarmos termos de outros domínios. Termos do universo cinematográfico, por exemplo, são utilizados para se referir ao vídeo como se não houvesse diferença entre eles. Dubois questiona: “ Ora, as imagens em movimento funcionam do mesmo modo?”, “A operação de montar os planos no cinema é a mesma de editar imagens em vídeo? As questões em jogo são as mesmas em ambos os casos?” Para responder tais questionamentos, Dubois catacteriza noções sobre plano e montagem.

O plano é um bloco de espaço e de tempo, necessariamente unitário e homogênio, indivisível, incontestável, que funciona como núcleo de todo o filme e se constitui, dentre outros processos, de quadro, campo, espaço off e perspectiva. A montagem cinematográfica é aquela que permite perceber o filme como um corpo global e unitário, portanto exige algumas funções que garantem o efeito de continuidade (o filme se elabora tijolo por tijolo).

Television Decollage - Wolf Vostell
Television Decollage – Wolf Vostell

Dubois chama atenção para o fato de que a a existência de uma narrativa (uma ficção com personagens, ações e organização do tempo) não representa o modo discursivo dominante do vídeo, essa estrutura está adequada ao cinema. No vídeo, a linguagem de representação que predomina são o modo documental, experimental e plástico. Essa é uma estética particular, mas não exclusiva.

Existem três procedimentos que reinam no terreno do vídeo. A sobreimpressão é o efeito de sobrepor duas ou mais imagens e cria a sensação de multiplicação de visão. As janelas permitem uma divisão da imagem e ao contrário da sobreimpressão (onde uma é colocada sobre a outra), há uma divisão, um recorte (são, por exemplo, colocadas uma do lado da outra). A incrustação (textura vazada e espessura da imagem) é um dos procedimentos mais importantes e mais específicos do vídeo. Trata-se da mescla de imagens que possuem origens distintas.