
Imagine a cena: Fanny Ardant andando no meio de um tanto de brasileiro que, dentre olhares atentos e risos de deboche gritam: “Olha a bunda dessa perua!”. Ou melhor, imagine Fanny, sentada na mesa de um bar risca faca, ouvindo forró, jogando carta e tomando Brahma. Saiba que essas situações aconteceram e que podem ser vistas no flme “Le fils du français”, 1999, uma trama deliciosa que mistura comédia e aventura e tem o Brasil como plano de fundo. Além do mais, também conta com a maravilhosa Josiane Balasko e foi dirigido por Gerárd Lauzier.

O filme conta a história de Suzanne (Balasko) e Anne (Ardant), duas mulheres diferentes e que se odeiam, mas que estão unidas por um motivo muito forte. Enquanto Suzanne é daquelas mulheres pouco vaidosas, que adora fumar, falar alto e beber. Anne é uma aristocrata, cantora de ópera que adora champagne. As duas são avós do pequeno Benjamin e se unem para levá-lo ao Brasil, para que ele reencontre seu pai. Por acidente elas acabam caindo em uma tribo no meio da Floresta Amazônica, cheia de índios e com uma cultura muito diferente da que conhecem.
Falando assim parece que o filme é meio desrespeitoso, parece que ele reproduz aquela ideia que os estrangeiros tem do Brasil que aqui só tem mato, índio e bicho. Olha, eu até comecei a assistir esse filme com um pé atrás, mas fui logo percebendo que é uma produção muito bem feita, que retrata uma parte do Brasil que nem os brasileiros conhecem.Se você assistir o filme, vai perceber que não é uma daquelas comédias que debocha do povo, pelo contrário, tem um tom sincero de respeito, é um filme muito agradável. (Resta observar que parte das cenas foram feitas em uma aldeia na Venezuela).
A Fanny está muito engraçada, completamente desconcertada no meio daquela gente tão diferente. Mas, a Josiane…gente, ela é demais! É impossível não rir com aquele jeito autêntico dela, meio porra louca, não ligando pra nada e puta de raiva com tudo. É uma dupla de atrizes que realmente possui características muito opostas, o que dá um tom delicioso nessa comédia. Gosto especialmente da cena em que as duas estão na aldeia e os índios as escolhe como noivas. Pelo que sei, Lauzier reproduziu com muita integridade o ritual de casamento da aldeia, chamada Las Claritas.
Encontrei uma pequena entrevista da Fanny (uma entrevista muito legal) onde ela fala sobre o filme e tomo a liberdade de reproduzi-la:

“Jean-Louis Livi me procurou e disse: Vou te dar um desafio, quero que interprete uma avó. Eu respondi imediatamente que um papel nunca é definido por um grupo etário. Perguntei, “Quem é essa mulher?” e logo comecei a ler o roteiro. Gostei da história de Anne, uma mulher que se permite viajar para o outro lado do mundo por amor a um garoto. Eu nunca pensei que para interpretar uma avó fosse necessário ter certa idade. Quer dizer, eu não posso interpretar uma mãe tendo 53 anos? Desde o início das reuniões, Gerad foi explícito ao dizer que não queria falsas rugas, maquiagens que nos fizesse parecer mais velhas. Queria que estivessemos assim, como somos. “
“A relação da criança com a família é muito importante. E eu acho que é verdade que as avós são mais apaixonadas e dolorosas do que as mães. A avó é aquele ser que viveu mais, que tem mais indulgência e humor. Eu nunca tinha feito comédia, sempre trabalhei o meu lado mais amargo, cruel. No entanto, me senti em casa, foi uma surpresa, me senti muito bem”

Eu fiz as malas e fui, sem saber o que me esperava. Aconteça o que acontecer, o amanhã pra mim não existe. Falaram, “Sairemos no dia 12 de Janeiro, tome todas as vacinas necessárias e arrume suas coisas”, eu disse: “Ok” e fiz as malas, sem saber o que levar… pensei, certamente preciso levar roupas claras. A chegada em Las Claritas (a aldeia) foi um choque. Também fiquei chocada com os garimpeiros de ouro e com o meu quarto de hotel. O choque foi tão grande que me deitei na cama e comecei a ler livros sobre a Rússia, ambientados na neve.
No início eu fazia as refeições sozinha, todas as noites ia dormir muito cedo e precisava dormir totalmente envolvida por um mosquiteiro. Pra falar verdade, não me importa a floresta, o ambiente… eu não tenho nenhum gosto pelo turismo, mas tenho um verdadeiro amor pelo povo. Fiquei encantada com os índios acariciando minhas pernas, colocando a mão nos meus colares… coisas que nunca tinham visto em suas vidas.
Um dia fomos alertados de que as pessoas do local estavam com sarna. Então, eu conheci uma senhora que lavou a minha roupa. Quando eu fui buscá-las ela me convidou para sentar e disse: “Minha irmã trabalhava em uma agência de viagens. Ela está morta”. E eu perguntei como? “Seu marido a matou… e de certa forma, acabou me matando também”. Ele a amava? “Sim…” Entende? Parecia um diálogo de Marguerite Duras, pouco a pouco, eu tinha a sensação de sempre ter pertencido a esse lugar. Comecei a ir todos os sábados no bar, a dançar forró… Cada dia foi ficando mais intenso.