Até então, o único filme que tinha assistido com Felipe Cazals foi “Las Poquianchis”, onde ele reconstitui o caso das irmãs González Valenzuela, uma delas interpretada por Diana Bracho. Outro dia estava lendo sobre o diretor e descobri que ele chegou a dirigir um filme argumentado por Gabriel García Marquez… “El año de la peste”. Confesso que eu não sabia que o Gabo era fã da sétima arte e que atuou, inclusive, como diretor da escola de cinema de Santiago de los Baños, em Cuba.
“El año de la peste”, produzido em 1978, conta a história de uma cidade assolada por uma epidemia desconhecida, que mata misteriosamente milhares de habitantes. Mesmo com o excesso de mortes, as autoridades insistem em dizer que a situação está controlada e que não há nada em que se preocupar. As pessoas caminham nas ruas e se deparam com corpos amontoados, mas agem normalmente. Na TV, os telejornais tentam minimizar as ondas de pânico e os estadistas calam médicos e especialistas que afirmam que a cidade está sofrendo com uma epidemia similar a peste negra, ocorrida na Idade Média. [Gabo era fã de “Um Diário do Ano da Peste”, escrito por Daniel Defoe (1660-1731)].
Adoro esse tipo de narrativa e enquanto assistia ao filme me lembrei de produções e histórias semelhantes como “Ensaio sobre a cegueira” de Saramago, “Tempos do Lobo” de Michael Haneke ou “Contágio” de Soderbergh. Aliás, Cazals é tão seco quanto Haneke e não pensa duas vezes em mostrar uma cena de sexo onde uma mulher beija o peito ferido do amante.
‘O ano da peste’ me incomodou um pouquinho… só em duas questões: não gostei da trilha sonora, que ao invés de acentuar o suspense, era irritante. A iluminação também estava estranha, não dava para saber se algumas cenas se passavam de manhã ou de noite, não dava para reconhecer o rosto dos atores enquanto eles dirigiam ou conversavam dentro das casas. Eu realmente não sei se é a estética do filme e fiquei confusa em alguns momentos, imaginando se se tratava da maneira em que o filme foi conservado.
Mesmo com o ritmo lento da trama, Calzar nos presenteia com pequenas pérolas, como aquela cena em que centenas de policiais descem a escadaria de uma igreja (todos armados e com máscaras de proteção) e vão de encontro ao povo (que se manifesta em praça pública) e se defende atirando pedras. No fim, já não existe mais polícia, nem povo…
Também achei incrível a cena em que os agentes de limpeza começam a despejar remédio sobre as áreas infectadas. Em certo momento eles se deparam com três moradores de rua e jogam remédio sobre eles. Os moradores de rua, por sua vez, continuam a agir como se nada tivesse acontecendo, sentam-se e começam a comer o que encontram no lixo.
“El año de la peste” trouxe uma feliz surpresa. Daniela Romo, bem no inicinho da carreira, fez uma pequena participação no filme. Tinha vinte anos. Na trama ela interpreta Laura, amiga da assistente do médico e que estranhamente tem um caso com ele. (É, fiquei meio confusa nessa parte). Tive que parar o filme para conferir se era ela mesmo, só pra ter certeza. Romo já tinha um cabelo enorme e usava aquele anel no dedinho (que não larga até hoje!).